Israel e Palestina: O Acordo de Paz, o Nobel de Trump e o fim do genocídio em Gaza – Por João Felipe Carvalho

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Israel e Hamas assinaram hoje, dia 9 de outubro de 2025, no Egito, aquilo que o governo americano chamou de “primeira fase” do acordo de paz proposto por Donald Trump. A assinatura, realizada em Sharm el-Sheikh após três dias de negociações, foi confirmada por ambas as partes, embora os bombardeios ainda estejam iluminando Gaza. O documento prevê cessar-fogo, troca de reféns e um recuo militar israelense “até uma linha acordada”. A trégua, se aprovada pelo gabinete de segurança de Israel, deve entrar em vigor em até 24 horas. Os 20 pontos principais do documento serão abordados a seguir.

O conflito durou exatamente 2 anos e 2 dias e, entre comunicados e promessas, o número que persiste é o das vidas perdidas: mais de 67 mil palestinos mortos em apenas dois anos de guerra — 1 a cada 33 palestinos. Dentre esses, ao menos 20 mil crianças. Mais de uma criança morta para cada hora de conflito. São 170 mil feridos, grande parte com sequelas permanentes e incapacitantes. Em Gaza, famílias aguardam não apenas a libertação de cativos, mas a de um povo inteiro de um ciclo de destruição que, mesmo quando silencia as armas, continua nos escombros.

Trump, agora na posição de mediador, prometeu comparecer à cerimônia de assinatura, enquanto exaltava sua iniciativa como um passo para uma “paz eterna”. O plano, que soma vinte pontos, imagina Gaza reconstruída com o auxílio de “países ricos do Golfo” e sob monitoramento internacional. Esse “otimismo” característico de Donald Trump, que trata as ações próprias e de seu governo como “épicas” e “nunca antes vistas”, não vem apenas com a intenção de paz internacional.

O mais relevante é que, como se sabe, a garantia do Estado de Israel vem do financiamento estadunidense. Se, internamente, os políticos e cidadãos estadunidenses deixam de apoiar a causa israelense e seu suposto “direito de autodefesa” — coisa que aconteceu por tamanha brutalidade, impopularidade e insubmissão de Benjamin Netanyahu — apoiar a guerra de Israel também deixa de fazer sentido politicamente.

Porém, se há algo que pode se dizer de Donald Trump é que ele é determinado em atingir seus objetivos. A crítica pode — e deve — residir em quais são esses objetivos, mas não em sua determinação particular. Nesse caso, assim como ele tem afirmado enfaticamente desde o início de seu mandato, o objetivo é receber um Prêmio Nobel da Paz, assim como seu antecessor democrata Barack Obama recebeu em 2009.

A opinião da presente coluna é que, em ambos os casos, a laureação com o Prêmio Nobel de Chefes de Estado dos Estados Unidos é, no mínimo, um desrespeito com as milhares de vítimas anuais das diversas operações simultâneas e fatais de responsabilidade direta ou indireta do imperialismo estadunidense. Além disso, é perceptível que essa é mais uma das comprovações de que o governo Donald Trump, assim como qualquer governo de extrema-direita populista atual, precisa do personalismo para sobreviver.

Ou seja, apesar de Trump, na figura do governo estadunidense, já atingir um objetivo político ao mediar um acordo de paz entre Israel e Palestina, não será suficiente se não houver também os espólios próprios, pessoais ao Donald Trump “em seu CPF”, que podem ser utilizados de maneira mesquinha ao se equiparar com Obama, antecessor de ideias opostas e que argumentavelmente ainda possui níveis de popularidade astronômicos.

A situação não está politicamente difícil apenas nos Estados Unidos. Dentro de Israel, a resistência ao cessar-fogo vem especialmente do partido Poder Judaico, partido da ultradireita israelense, compositor central da coalizão — até agora — do governo genocida de Benjamin Netanyahu. O ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, líder desse partido, ameaçou derrubar o governo caso o Hamas não seja “completamente destruído”. Segundo ele, qualquer acordo que mantenha o grupo em funcionamento, “ainda que sob outro nome”, seria uma traição às vítimas dos ataques de 7 de outubro.

Essa declaração, feita às vésperas da votação do gabinete que deve ratificar o acordo, lança uma sombra sobre a sua aprovação e expõe a fragilidade política de Netanyahu, entre a pressão internacional pela paz e a chantagem de seus aliados, já que está em um governo de exceção que, inclusive, deve sofrer forte pressão popular para dissolução e convocação de novas eleições após o fim oficial da guerra.

Além disso, com o Mandado de prisão de Benjamin Netanyahu emitido pelo Tribunal Penal Internacional, ele não pode, legalmente, entrar em nenhum dos 123 países signatários sem ser preso. Não é absurdo, portanto, aguardar os próximos desdobramentos de maneira desconfiada. Aliás, o que temos observado é que não fazê-lo é, infelizmente, ingênuo.

Diante desse cenário, resta compreender o conteúdo concreto do acordo que hoje se apresenta como a promessa de um novo capítulo na relação entre Israel e Palestina, na medida em que se pode confiar em Estados capazes de cometer genocídio. Para além das disputas narrativas e dos interesses que o cercam, o documento assinado em Sharm el-Sheikh revela, ponto a ponto, as concessões, imposições e ambiguidades que definem o que se chama aqui de “primeira fase” da paz proposta por Donald Trump.

Abaixo, alguns dos pontos principais do acordo, com tradução e destaques próprios:

• “Gaza será uma zona desradicalizada e sem terrorismo que não será ameaçadora para seus vizinhos.”

• “Gaza será reconstruída para as pessoas de Gaza, que já sofreram mais que o suficiente.

• “Se ambos os lados concordarem com essa proposta, a guerra se acabará imediatamente. As forças israelenses vão se retirar para uma linha previamente acordada e se prepararão para soltar seus reféns.”

• “Assim que todos os reféns forem liberados, será garantida anistia para todos os membros do Hamas que se comprometerem a uma coexistência pacífica e com a retirada de armas.”

• “Será providenciada passagem segura para os países receptores aos membros do Hamas que desejarem sair de Gaza.”

• “Após a aceitação deste acordo, toda a ajuda será enviada imediatamente à Faixa de Gaza (…) incluindo a reabilitação de infraestrutura (água, eletricidade, esgoto), reabilitação de hospitais e padarias, e entrada de equipamentos necessários para remover entulhos e abrir estradas.”

• “Gaza será governada sob uma governança transitória temporária de um comitê palestino tecnocrático e apolítico, responsável pela administração diária dos serviços públicos e municípios para a população de Gaza. Este comitê será composto por palestinos qualificados e especialistas internacionais, com supervisão de um novo órgão internacional de transição, o ‘Conselho da Paz’, presidido pelo Presidente Donald J. Trump, com outros membros e chefes de Estado a serem anunciados, incluindo o ex-primeiro-ministro Tony Blair.”

• “Ninguém será obrigado a deixar Gaza, e aqueles que desejarem sair terão liberdade para fazê-lo e retornar. Incentivaremos as pessoas a permanecer e ofereceremos a oportunidade de construir uma Gaza melhor.”

• “Uma garantia será fornecida por parceiros regionais para assegurar que o Hamas e as facções cumpram suas obrigações e que a Nova Gaza não represente ameaça aos seus vizinhos ou à sua população.”

• “Israel não ocupará nem anexará Gaza. À medida que a ISF estabelecer controle e estabilidade, as Forças de Defesa de Israel (IDF) se retirarão com base em padrões, marcos e prazos vinculados à desmilitarização, que serão acordados entre IDF, ISF, os garantidores e os Estados Unidos, com o objetivo de uma Gaza segura que não represente mais ameaça a Israel, Egito ou seus cidadãos.”

• “Será estabelecido um processo de diálogo inter-religioso baseado nos valores de tolerância e coexistência pacífica, para tentar mudar mentalidades e narrativas de palestinos e israelenses, enfatizando os benefícios que podem ser obtidos com a paz.”

• “Os Estados Unidos estabelecerão um diálogo entre Israel e os palestinos para definir um horizonte político de coexistência pacífica e próspera.”

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Editor Ourinhos Online