“Vida que segue”? Para todos, não. Por Paula Hammel

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Alguns instantes como quem percorre vitrines, indiferentes a reflexos, alheios ao vento, à poeira, aos vultos que se escondem nas esquinas. Outros sentem segundos como lâmina sobre a pele, sombras como olhares que se recusam a partir. Para eles, nada escapa; tudo pesa, demanda atenção plena.

Memórias inflamam nervos, lembranças comprimem ossos, puxam respiração, compelindo corpo e mente a revisitar episódios antigos. Gestos do passado retornam inesperadamente, aguçando percepção, provando que nenhuma experiência se extingue por completo. Quem impõe pressa alheia tropeça sobre confusão própria, incapaz de guiar trajetória pessoal. Reclama velocidade, ignora lentidão, mas espera obediência como se fosse natural.

Respirar converte-se em território exclusivo. Olhar sustenta universos invisíveis. Presenças ocultas irradiam densidade, tensão que mantém vigilância constante. Observadores atentos percebem detalhes imperceptíveis aos distraídos. Pensamento conserva firmeza; espírito mantém solidez. Movimentos ganham relevância; escolhas alongam-se; percepções transformam-se em resistência.

O mundo movimenta-se para apressados. Para quem sente, segundos alongam-se como correntes metálicas. Gestos mínimos tornam-se batalhas invisíveis; decisões convertem-se em pressões internas. A ironia acompanha cada passo: quem grita “siga em frente” tropeça na própria confusão, incapaz de conduzir trajetória. Pessoas que exigem orientação, frequentemente desconhecem rotas que demandam coragem.

Seres determinados convertem firmeza em força tangível. Respirar de dentro para fora sustenta territórios intransponíveis. Sombras, emoções e fragmentos de passado constituem domínio inalienável. Nada toca, exceto intensidade absoluta. Vigilante, paciente, resistente.

Enquanto multidões aceleram, exigem, consomem velocidade, quem sente mantém autonomia. Cada particular transforma-se em valor supremo: vibração de toque, peso de ausência, aroma de lembrança, ressonância de murmúrios ocultos. Instantes alongam-se, percepções expandem-se, gestos convertem-se em resistência concreta. Ironia fina acompanha cada movimento: quem ri de si próprio jamais teme pressa alheia.

Eis, por fim, uma verdade impossível de ignorar: a vida avança para todos, mas quem sente move-se como fera contida: mantém inteireza, absorve pressa alheia, observa e sobrevive enquanto, “alguns”, nem por gentileza, ousam perceber.

Paula Hammel

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Editor Ourinhos Online