Tecnicismo e vazio emocional da aprendizagem Por Luiz Bosco

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O tecnicismo é a busca por respostas na tecnologia para nossos problemas, de forma ilusória, ingênua ou arbitrária. Temos visto esse movimento se espraiando pelo Ensino, com exemplos evidentes no Ensino estadual de São Paulo e Paraná, que vem sendo sujeitos de um experimento que esvazia os sentidos e práticas do educar, para se colocar em seu lugar a preocupação com preencher planilhas, responder questionários e realizar procedimentos.
Aprender não é manter o sistema com a luz verde acesa porque se deu conta das atividades. Estas vêm em profusão, numa tentativa vã de disfarçar o vazio de um ensino cada vez mais preocupado com o controle do tempo do que propriamente a aprendizagem.
O uso cada vez mais intenso e extenso da tecnologia vem com a intenção de substituir a relação professor-aluno. Quando se está diante de professor ou professora, essa pessoa encarna aquele conteúdo, seja provocando rejeição ou afeição, não importa. A relação que se estabelece não é apenas com a disciplina, mas com aquele que é seu porta-voz. Esse vínculo, que é profundamente pessoal, tem grande peso no gostar ou odiar alguma matéria.
Sabemos o quanto o projeto de poder neoliberal e ultraconservador tem como um de seus focos o esvaziamento dessa relação, pelo seu potencial libertador. Até o ensino denominado conteudista, alvo das críticas pedagógicas há décadas, parece mais interessante que esse modelo digital, pois mesmo nesse famigerado modelo, é possível despertar o pensamento, insuflar esperança e indignação.
Com o tempo de tela da escola, somado ao gasto sem relação com ela, temos uma sobrecarga de relações com pessoas, com ações, com objetos, mediado por um instrumento verbal e visual. Descarta-se toda a riqueza perceptiva de se estar diante de uma pessoa, dentro de um certo ambiente, cercado pelo contexto daquele acontecimento específico.
O uso massivo da tecnologia para o Ensino, de forma burocrática, esvazia a afetividade necessária para o aprender. Não há aplicativo colorido, barulhento e veloz que substitua a carga de emoções humanas, não importa se agradáveis ou nem tanto, suscitadas no encontro da sala de aula.
Este texto é um manifesto contra o uso de tecnologias no Ensino? Não. Vi e vejo as boas possibilidades de seu uso. Entretanto, o que mais encontramos é quem o defenda. Há um consenso em torno da tecnologia como panaceia para a escola. É preciso que vozes dissonantes apontem para aquilo que não está funcionando bem. Tornar educadores e educadoras em meros fiscais de atividades remotas é o completo esvaziamento dos sentidos do aprender.
Considerando a importância da escola na vida de uma criança e adolescente, que vai para além do óbvio, temos que alertar para os efeitos dessa informatização à força na saúde mental. Com a crescente ausência do afeto no aprender, esvazia-se a construção de laços indispensáveis para o desenvolvimento da identidade. Torno-me eu a partir do outro e esse outro não pode ser apenas voz e imagem, precisa ser presença. Ou pior, quando nem voz e imagem de alguém é oferecida, apenas perguntas e respostas para clicar, formulários para preencher, o aprender se desumaniza e passa a ser uma relação burocrática.
Talvez seja essa a intenção: em uma nova configuração da disciplina (como a conceituou Foucault), agora o adestramento dos corpos é para se sujeitarem a rotinas intermináveis frente a telas, escrevendo prompts para que a “inteligência artificial” pense por nós.

Luiz Bosco Sardinha Machado Júnior é psicólogo e professor universitário.

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Editor Ourinhos Online