Se for cair, que seja para cima Por Paula Hammel

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O mundo gira rápido e quase nunca espera. Cada plano parece inclinar, como se a vida quisesse testar quem ainda insiste em caminhar. Nenhum passo garante segurança. Seguimos, ombros tensos e olhos atentos, sentindo a superfície que observa silenciosa, à espreita de um deslize.

Entregar-se é inevitável, mas a maneira de despencar transforma a experiência. Alguns mergulhos esvaziam, outros despertam. Quando o vento corta o rosto e a gravidade impõe limites, resta escolher entre derrota ou elevação. É preciso coragem para encarar a abertura sem desviar o olhar. Nesse instante, a descida se converte em movimento, e podemos subir com força contida.

A existência raramente oferece estabilidade. O que parecia firme hoje se solta amanhã. O que parecia ruína pode virar base. Nas reconstruções e recuos aprendemos a avançar por trajetos tortuosos. O erro empurra. O susto empurra. A pausa empurra. Às vezes, é a falha que ensina o próximo passo. As lições aparecem quando o plano atinge seus limites, e o panorama se revela apenas quando a situação ameaça desaparecer.

Cada desvio guarda lógica própria. Um projeto que falha, uma resposta que não chega, uma tentativa frustrada: transformam-se em degraus invisíveis. Quem observa o próprio deslize entende que subir não é vencer, mas permanecer desperto. O corpo pode ceder; a consciência mantém-se firme, impedindo que a alma se parta.

Resistir nem sempre é necessário. Aceitar o movimento e permitir que os membros se ajustem pode ser mais eficaz. A dor cumpre sua função: queima o que não serve, abre espaço, purifica. Após a pancada, o ar retorna aos pulmões e a forma física retoma proporção exata. O barulho se aquieta. A pressa se dissolve. Do que resta, surge uma cadência mais simples, nítida e verdadeira.

Cada choque aceito é também forma de elevação. O limite deixa de ser obstáculo e se torna força. Há quem passe a vida evitando despencar e nunca perceba o que poderia ter sido. Outros se entregam e descobrem, no contato com o plano, sua própria medida.

Se for tombar, que seja para cima. Que a colisão desperte. Que o susto ilumine. Que a superfície devolva energia. Há alturas que só existem quando não há mais onde apoiar os pés. Quando tudo desmorona, os membros se erguem sozinhos. Nesse instante, entre golpes e recomeços, a vida se revela inteira, mais clara e possível de ser vivida.

Paula Hammel

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Editor Ourinhos Online