Não há quem seja inteiro (a) Por Paula Hammel
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Você acha que sou triste?
E você, é feliz?
Acha-se atraente ou tenta parecer inteiro(a) diante do espelho rachado do mundo?
Anda por trilhas de espinhos ou evita caminhos desconhecidos?
Segue pelo lado seguro, como um cão adestrado.
Gosta do que vê quando se mira?
Cabelo, nariz, costas, olhos: seus ou apenas formas emprestadas?
Há algo em si que lhe incomoda?
Não minta, embora seja interessante e belíssimo(a).
Me diga: o que interrompe seu descanso, além da mente?
Reflete de fato ou repete o que escuta?
Chamamos isso de pensamento, mas às vezes ele é medo disfarçado de lucidez.
De repente, me imagina melancólica, poética, emotiva, densa.
Filosófica, insana, enigmática.
Ainda assim, permaneço silenciosa. E observo.
Você se distrai com vidas alheias para não encarar a própria.
Oculta o vazio sob risadas rápidas e finge leveza.
Normalidade virou rotina.
Diariamente, sente mais do que revela e esconde mais do que gostaria.
Percebo.
Eu também carrego fissuras, mas desconheço como os outros lidam com as próprias.
Cada ser abriga buracos negros e asteróides escondidos.
Nem todos se expõem.
Não há quem seja inteiro(a).
Somos um caos.
Em mim, mudaria muitos poréns, inclusive aqueles que suas imaginações revelam sobre minha essência.
Sim, você tem suas ideias, e eu as acolho.
Mas não se iluda pensando que as reconheço.
Elas existem, eu as vejo, mas elas não me prendem.
Infelizmente, há dias em que a solidão pesa como chumbo.
Caminho por ruas cheias; sinto a ausência da companhia verdadeira em cada rosto.
Rimos, conversamos, trocamos poucas palavras, mas ninguém se toca de fato.
Aceitar isso dói. Nada óbvio; aprendo a tabuada social.
E da mesma forma, existem momentos nos quais me analiso de longe, sentindo uma distância infinita.
Não é vergonha.
Nem dor.
É reconhecimento.
Jamais posso ser moldada pelos outros.
Não caibo em fórmulas prontas.
Nem quero.
Carrego cansaços sem nome, desejos sem endereço e silêncios que gritam mesmo quando tudo parece quieto.
Sou feita de falhas, de faltas, de excessos.
Subo, como um gato esperto, os degraus da excelência.
Portanto, minha natureza continua inconstante.
A sua acompanha o mesmo ritmo.
Todos, uma imensa soma de lembranças, vontades, arrependimentos e promessas partidas; almas tentando se ajustar no espaço estreito entre o que sentem e o que mostram.
Vivemos turbulência pura, intensa e verdadeira.
Olhares e achismos se perdem, se cruzam; se desencontram no mesmo precipício.
Ao final, resta apenas a resiliência coringa.
Por azar ou sorte, o limbo chega e responde com riso seco.
Arranca nossa coragem, despindo-nos até o osso.
Maldito, com um quê de misericórdia – ou pena – deixa apenas o que ainda pode ser salvo.
Paula Hammel
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