Crônica: “O Catecismo, Deus Está Vendo” – Jair Vivan
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Uma vez por semana eu confessava e aos domingos comungava na missa, assim ficava livre para um novo período de pecados, o duro era ficar o tempo entre a confissão e a comunhão, normalmente um, dois e até três dias sem cometer nenhum, era a verdadeira prova de fogo.
Mas ainda vivendo a fase de cumprir o primeiro serviço obrigatório de uma família cristã tradicional da época, o catecismo preparatório para a primeira comunhão, assim duas ou três vezes por semana dedicávamos nossas tardes para as aulas, rezas e cantos que terminavam ao cair da tarde, quando víamos a oportunidade de acompanhar as meninas, no caminho para casa.
As paqueras, os primeiros namoros, acho que as paixões pioneiras aconteciam no catecismo, mesmo porque tive que repetir a dose fazendo a “cruzada” (espécie de perseverança) e nas duas vezes me apaixonei perdidamente.
Mas o bom era antes, o negócio era chegar com uma boa antecedência para participar da brincadeira de “salva”, quando nos dividíamos em dois grupos, os que fugiam e os que pegavam e mantinham retidos em um determinado ponto com as mãos dadas para esticar a corrente humana, até que um que estivesse solto conseguisse chegar e relar a mão na mão do ultimo da corrente gritando “salva” liberando todos e assim seguia, só terminava quando todos do grupo fugitivo estivessem presos, portanto continuava no encontro seguinte com a formação de quando foi interrompida.
Vivíamos em volta da igreja, ora tentando capturar pombos, empoleirados com eles nos andaimes da obra inacabável da parte de trás atrelada a construção do altar, a qual evoluía conforme as doações na “campanha do metro quadrado”, as empresas e famílias que colaboravam tinham os nomes e valores anunciados na missa gerando uma certa disputa alavancando as doações.
Ora no alto da torre tentando se pendurar nas cordas do sino ou tentando tirar um acorde do fantasmagórico e gigantesco órgão musical, o ponto máximo das “infanto-delinquências” era o roubo de hóstias e com sorte no caso de encontrar uma garrafa aberta, uns goles do vinho do padre, já na casa paroquial.
E foi em uma dessas subtrações do corpo e do sangue de Cristo que recebemos um aviso, era um dia de muita chuva e as traquinagens tinham que ser internas, em plena degustação o parceiro meliante mirim fez o comentário de que Deus devia estar vendo tudo que estávamos fazendo, ao que ouvimos um estrondo muito forte de um raio que fora atraído talvez pelo para-raios dali da igreja mesmo, aliás na época um dos poucos da cidade.
Em tempo o companheiro que pausou a fala devido ao trovão, completou: – Está vendo e mandou um raio, mas ele não quis acertar, foi só um aviso, é melhor parar.
Seguimos rapidamente para os bancos do
interior da igreja, meio que entendendo o recado, quando já estava começando a aula do catecismo.
…
JVivanJr.
