Talvez, seja necessário aprender o desapego – por Paula Hammel
O passado é uma névoa, um cenário que se desfaz tão logo tentamos tocá-lo. Por que nos permitimos ser assombrados pelo que já não existe? O que nos resta daquele tempo não são os fatos, mas as impressões – sombras de sombras, que insistimos em chamar de memórias. Mas de que nos servem, senão para nos lembrar daquilo que já não somos?
O presente, esse frágil instante entre o que já foi e o que nunca será, é tudo o que temos. E, no entanto, é o que mais negligenciamos. Por que nos é tão difícil amar o agora, aceitar a crueza do que se apresenta diante de nós? Será porque o presente não nos oferece refúgio, apenas a vastidão do real, desprovida de sonhos ou justificativas? O passado, ao menos, permite-nos reinventá-lo; o futuro, por sua vez, deixa-se vestir de esperanças. Mas o agora… Ah, o agora nos exige a nudez completa da existência.
Somos feitos de tempo, mas, paradoxalmente, não o habitamos. Deixamos que o ontem nos pese nos ombros e que o amanhã nos arraste para longe, enquanto o presente escorre, silencioso, por entre os dedos. E, contudo, é aqui, neste instante efêmero, que a vida nos ocorre. A essência que carregamos não é a do que fomos nem a do que seremos, mas a do que somos enquanto o tempo nos molda, imperceptível como a água que esculpe a pedra.
Talvez seja preciso aprender o desapego – não como quem renuncia, mas como quem aceita. Deixar que o passado descanse onde pertence, sem o rancor de quem tenta arrancar sentido de cada cicatriz. Deixar que o futuro se anuncie a seu tempo, sem o desespero de quem tenta controlá-lo. E, sobretudo, deixar que o presente nos inunde com sua simplicidade avassaladora, com sua crueza quase dolorosa, mas profundamente autêntica.
E então, pergunto: o que somos, se não o instante? E o que pode ser mais belo do que existir aqui, onde o ar é real e o coração pulsa? Amar o agora é amar a si mesmo na mais pura expressão do ser. E isso, talvez, seja o único refúgio verdadeiro que a vida nos permite.
Paula Hammel
[18/2 16:35] Paula: Somos eternos pedintes, simples agradecidos.
O calendário poderia, talvez, seguir de trás para frente, e a cada início de mês seria inundado por uma torrente de pedidos. Como um guardião silencioso do Universo, ele acolhe cartas, preces, súplicas, e todas as cores das expectativas humanas. Novembro mal se iniciou, e já se acumulam as petições de “que mude, que aconteça, que traga”. Desde quando um mês assumiu o papel de servidor de nossos caprichos? Janeiro é o santo das promessas vazias, das intenções mal formuladas; fevereiro, aquele que aguarda ansiosamente o fim do calor ardente, que se estende, por vezes, até abril. Março, este amaldiçoado mês, para muitos é o ponto final das férias, o reinício da rotina. Maio se apresenta em dois tons, metade calor e metade “morno”, mais uma travessia que nos leva ao inferno junto com junho, esse mês que, se frio, nos congela até a alma; se instável, enlouquece com suas oscilações, e se quente, já não é mais junho. Julho, querido e detestado, chega trazendo as férias escolares e, com elas, o clima abafado e as chuvas repentinas – um mês caverno, cheio de ecos e labirintos. Agosto, esse mensageiro de infortúnios, segue com seu agouro, como se tivesse sido criado para colher as lágrimas de promessas quebradas. Creio que, em sua austeridade, é o mês que mais ouve súplicas e maldições. Temido, como o roedor nas sombras, ele ouve pedidos e se esconde, até que setembro adentre, com sua leveza incerta. Outubro se arrasta, quase no fim do ano, sendo o responsável pelas promessas feitas em janeiro, que ainda ecoam sem cumprimento. Novembro, incansável, cai na fogueira sem se transformar em cinzas, e quase se faz Papai Noel, cansado das exigências e dos presentes que ainda precisa entregar. Dezembro é o Senhor das Súplicas. Ele observa seus companheiros com uma pena silenciosa, mas é ainda mais cruel com ele mesmo. Rindo de tudo, carrega o peso dos pedidos e os leva para serem avaliados. E, já com um sorriso travesso, instrui janeiro a comprar jatinhos e despejar bênçãos de paz, amor e felicidade. E, depois de tanta inquietação, os meses finalmente se reúnem e tomam uma decisão coletiva: “Enquanto houver discórdia, desamor e a incapacidade de nos comunicarmos, a vida será a colheita amarga da semente que vocês plantaram no meio do trovão. Nós, assim como vocês, servimos ao tempo. E o que temos de mais precioso, é ele.” O mês não mata, não cura, não nos oferece refúgio. Melhor é falarmos com aquele que, em seu silêncio sábio, observa e decide o que fazer com o tempo que nos é dado.
Paula Hammel
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