Preciso me encontrar – Por Paula Hammel
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Há uma urgência que não grita, mas vibra em surdina. Uma sede muda, um anseio que não é desejo, pois não aponta para fora, não busca aplausos nem fuga. Quer repousar em si mesma. Mesmo sem rosto, conhece-me melhor do que eu.
Não procuro respostas. Procuro um ponto de repouso dentro da pergunta. Uma dobra do tempo onde o gesto cesse antes de nascer. Onde não precise ser explicação nem resposta. Apenas presença, o que permanece quando tudo se esvai.
As vozes externas seguem seu labor. Projetam máscaras, sugerem versões aceitáveis, repetem fórmulas. Medem minha existência com escalas alheias. Nenhuma delas serve. Nenhuma veste abriga-me. Frequentemente, sinto-me vestida do avesso, com costuras expostas, rasgos visíveis e ainda assim íntima de mim.
Uma música chama-me de longe. Não ressoa alto nem seduz com pressa. Pulsa constante, como coração que evita ser notado. Essa melodia, talvez memória, talvez promessa, aponta o caminho de volta. Não à infância nem a tempo idílico, mas àquela camada da alma onde feridas não tocaram.
Ali o tempo desfaz-se em vapor. A presença não se mede por atos, mas pela densidade do silêncio. Pelo que não exige palavra, pelo que insiste em permanecer mesmo ao afastar-se.
O corpo, campo de batalha que carrego, ostenta cicatrizes visíveis. Mas sob a pele travam-se guerras maiores. A cada respiração renovo o pacto com a permanência. Permaneço, mesmo quando tudo em mim deseja fugir.
Não é fuga, é permanecer. Permanecer inteira mesmo fragmentada. Abraço as rachaduras como arquitetura do ser. Não sou ruína; sou casa em constante reforma. Cada parede caída abre passagem para nova luz.
O mundo exige pressa. Contudo, o essencial move-se devagar. Raízes recusam calendário. Descobertas florescem no compasso lento da escuta interior.
Na solidão, descobri territórios fora dos mapas. Mais verdade há na espera do que nas conquistas. O intervalo entre o que fui e o que serei, talvez seja o lugar mais fértil para viver. Encontrar-me é aceitar o fluxo do que sou.
Nem sempre inteira, mesmo os pedaços sabem onde pertencem. Esse pertencimento sustenta-me.
Não há ponto de chegada nem apoteose. Apenas o murmúrio de uma existência que pulsa no ritmo do que se reinventa. Por vezes basta.
Encontrar-me, afinal, é desistir de caber, e no desencaixe, florescer.
Paula Hammel
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