Quem está destruindo a família? Você está preparado para ouvir? – Por Maurício Saliba

Uma das frases que mais se repete nos corredores da indignação moral contemporânea é: “querem destruir a família!”. A denúncia é grave — e um tanto melodramática. Segundo alguns, existe um complô internacional, orquestrado por forças do mal (vulgo “a esquerda”), com o nobre objetivo de acabar com esse sagrado pilar da civilização.

Mas calma lá. Antes de colocar a culpa na Netflix ou em professores de sociologia, vale lembrar que a tal “esquerda” é um conceito tão elástico que já foi usada para culpar desde o comunismo chinês até o funk carioca. É a versão moderna do bicho-papão: não se sabe bem o que é, mas serve pra tudo que assusta.
Agora, vamos trazer um nome à mesa: Karl Marx. Sim, aquele velhinho barbudo que, para alguns, é o próprio anticristo do capitalismo. Ele teve a ousadia de afirmar que muitas vezes as sociedades criam ilusões — ideologias — para esconder a real origem dos seus problemas. Elas servem como um truque de mágica: você olha para um lado, enquanto a mão que te rouba está do outro.
E no caso da destruição da família? Ora, a mágica é perfeita. Em vez de observarmos os efeitos reais das transformações sociais, culturais e econômicas, culpamos minorias, livros, debates sobre gênero e até desenhos animados. Tudo para não encarar o verdadeiro vilão da história.
Quem está destruindo a família, afinal? Prepare-se para o choque: é o próprio capitalismo.
Não por maldade, claro — o capitalismo não tem sentimentos. Ele só quer uma coisa: lucro. Lucro em escala crescente, eterna, infinita. E para isso, ele precisa de uma sociedade movida pelo desejo. Não qualquer desejo, mas um desejo insaciável, que nunca se realiza completamente.
Foi assim que nascemos dentro da cultura do prazer. Agora, tudo gira em torno de sermos felizes o tempo todo, de preferência comprando algo. A propaganda diz que você merece, que você precisa, que você tem que ser livre. Família? Compromisso? Rotina? Coisa ultrapassada.
O resultado? Um mundo onde pais e filhos estão igualmente viciados em estímulo, prazer e consumo. A lógica é simples: quanto mais você quer, mais você compra. E quanto mais você compra, mais trabalha. E quanto mais trabalha, menos tempo tem. E quanto menos tempo tem, mais culpa sente. E aí… consome de novo. O ciclo é perfeito — para quem vende. E devastador para quem vive.

O lar como campo de batalha:

As consequências estão por toda parte. Famílias desorganizadas, crianças ansiosas, pais ausentes e escolas que viraram campos de guerra emocional. Os filhos não aguentam mais ficar sentados ouvindo professores; os pais se sentem culpados por não estarem presentes; e todos estão exaustos, isolados, conectados a mil telas e desconectados de si mesmos.
O capitalismo, claro, agradece. Porque quanto mais fraturadas nossas relações, mais espaço há para a indústria do entretenimento, do consumo, da estética, da performance, da automedicação.

O bode expiatório perfeito:

E, no meio desse caos cuidadosamente lucrativo, alguém grita: “a culpa é da esquerda!”. E pronto: temos um vilão imaginário para uma tragédia bem real. Uma distração conveniente que nos impede de olhar para onde realmente importa.
A verdade é dura, mas libertadora: a família não está sendo destruída por ideologias progressistas, mas sim pela lógica impiedosa de um sistema que lucra com a sua solidão, com a sua pressa, com sua frustração — e até com a sua saudade de quando a mesa do jantar era um lugar de encontro.
Enquanto você grita contra fantasmas, alguém lá em cima está lucrando — e rindo da sua indignação seletiva.

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Editor Ourinhos Online