Ordem e Progresso: O lema do golpe – Por Maurício Saliba

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O progresso parece, ao menos no discurso oficial, uma consequência lógica da ordem. Mas será mesmo? No Brasil, essa relação virou dogma de fé cívica desde que inscrevemos “Ordem e Progresso” em nossa bandeira, como se fosse uma equação comprovada por Newton ou um axioma de Euclides. Desde então, escolhemos a ordem, ou melhor, a domesticação social, como o princípio sagrado da governabilidade.
Sempre fizemos a revolução… antes que o povo ousasse tentar. O Estado tratou de “antecipar” as demandas populares, mas não por sensibilidade ou compromisso democrático, e sim para evitar o pior: que o povo aprendesse a lutar. Que horror seria a senzala aprender a brigar por seus direitos! Assim foi no Império, na República, na Nova República e até naquilo que chamamos de “democracia consolidada”. Aqui, toda “revolução” foi cuidadosamente roteirizada, com atores coadjuvantes e final previamente definido.
Abolição? Só depois que não dava mais lucro manter escravizados, um ato de generosidade quando o produto já estava vencido. República? Uma troca de nome na fachada da casa grande. “Revoluções”, no Brasil, são basicamente reformas cosméticas feitas com o teatro de ruptura, como se arrombássemos portas que estavam escancaradas há séculos. Heroísmo forjado, mártires fabricados e povo sempre… plateia. Resultado: nunca aprendemos a lutar. Somos treinados desde pequenos a esperar um salvador, um herói midiático, um Messias de terno ou farda, montado não num cavalo branco, mas num palanque de silicone e cinismo.
Mas voltando à pergunta inicial: a ordem leva mesmo ao progresso? Não! Nunca levou. A história desmente, com sangue e pólvora, a confortável ilusão de que a ordem é o caminho natural para o progresso. Na verdade, a ordem, essa palavra mansa com alma de chicote, sempre serviu menos para organizar e mais para conter, reprimir e adiar a transformação social. Em nenhum país minimamente desenvolvido o progresso brotou da estabilidade passiva. O progresso, no mundo real, nasce da desordem, da insubordinação, da ruptura. A França moderna é filha da guilhotina, não do catecismo. A Inglaterra industrial se ergueu na maré agitada da Revolução Gloriosa, e os EUA só deslancharam depois de uma guerra civil sangrenta. Em todos esses casos, a balbúrdia, a insubmissão e o enfrentamento deram à luz o novo. Enquanto isso, o Brasil seguia firme em seu triângulo de ferro: latifúndio, escravidão e monocultura. Um trio que só canta o refrão da estagnação.
Mesmo a ciência, essa senhorita racional e metódica, avança tropeçando. O cientista erra, explode coisas, queima sobrancelhas e orçamentos, perde noites, dados e a sanidade até que, por acidente, descobre algo. Só depois vem o professor com seu quadro branco e transforma o caos em fórmula limpa. A aparência de ordem é uma maquiagem aplicada sobre a bagunça criativa. Progresso, como se vê, é filho bastardo da desordem, e não do zelo disciplinar.
Mas o Brasil, fiel ao seu medo atávico do conflito, preferiu a ordem. A paralisia confortável da desigualdade e dos privilégios. E com ela, o atraso. Nietzsche nos ajuda aqui: somos movidos pelo pavor da mudança, pela ânsia de controle. Nossa elite do atraso não tem apenas “vontade de poder”, tem um desejo desesperado por amarras, por previsibilidade, por ordem. Nossa elite, sempre criativa em se reinventar no poder, usou a ordem a seu favor. Vendeu-nos a ordem como antídoto ao caos, enquanto ela mesma se fartava no banquete do progresso.
Ficamos com a ordem, a fila, a humilhação burocrática, a disciplina escolar, a obediência servil. Eles ficaram com a riqueza, com as reformas verdadeiras, com os privilégios. A balbúrdia dos outros gerou progresso. Nossa ordem, apenas estagnação bem-comportada.
Marx já nos alertava: a história avança não pela conciliação, mas pelo conflito; é na contradição que ela respira. No entanto, por aqui, a luta foi domesticada, anestesiada com promessas de paz social e meritocracia de vitrine. Transformamos a obediência em virtude e a passividade em cidadania. Nosso “progresso”, quando vem, é tímido, condicionado, cuidadosamente regulado para não abalar os alicerces dos que mandam. O Brasil tornou-se um país em que a mudança só é aceita se não mudar nada — uma democracia de vitrine, onde a vitrine vale mais que o povo. Seguimos produzindo riqueza com mãos caladas e cabeças baixas, enquanto os donos da ordem seguem no controle remoto, administrando o atraso com aparência de civilização.

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Editor Ourinhos Online