O caso Léo Lins e o direito de rir humilhando os mais vulneráveis – Por Maurício Saliba
Para quem ainda não soube da notícia e de sua repercussão, o humorista Léo Lins foi condenado a oito anos e três meses de prisão por ter achado que o palco era um campo neutro onde tudo vale: racismo, gordofobia, capacitismo, homofobia e o que mais couber no cardápio do preconceito. A sentença foi dada pela juíza Barbara de Lima Iseppi, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo. O vídeo em questão, “Perturbador” (nome profético), destila preconceito contra negros, obesos, idosos, pessoas com HIV, indígenas, homossexuais, judeus, nordestinos, evangélicos e pessoas com deficiência. Uma verdadeira maratona da intolerância. Tudo dissimulado pelo vale tudo da “liberdade de expressão” sem limites e de que o humor pode tudo.
Para os especialistas em Direito formados pelo YouTube: a condenação não veio do STF, e nem é obra de uma seita globalista. A juíza baseou-se em leis aprovadas por aquele mesmo Congresso que você elegeu com tanto entusiasmo. As leis? Nº 7.716/89 (combate ao preconceito por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional) e nº 13.146/2015 (proteção às pessoas com deficiência), com o bônus do agravante por ter propagado tudo isso como “atividade cultural”. Genial.
Imediatamente, legiões se levantaram em defesa do “humorista”, empunhando a espada sagrada da liberdade de expressão. Porque, claro, para essa galera, liberdade é sinônimo de licença para humilhar, desde que não seja com eles, evidentemente. Rir do sofrimento alheio virou ato revolucionário.
Mas vamos tentar o impossível: apelar ao bom senso. A juíza aplicou a lei, ponto. Não teve exagero, militância, censura ou conspiração. O Ministério Público Federal denunciou o cidadão por violar direitos fundamentais. Em outras palavras: foi tudo feito com base no que está na Constituição. Se isso soa escandaloso, talvez o problema não seja o Judiciário, e sim o amor que alguns têm por achincalhar quem já vive à margem. E convenhamos: se a solução é revogar leis que protegem os mais vulneráveis só para salvar a piada do tiozão do churrasco, talvez seja hora de admitir que o problema não é o ‘politicamente correto’, mas a incapacidade de entender que piada boa não precisa humilhar ninguém.
E não, a pena não foi alta porque a juíza “acordou de mau humor”. Foi agravada porque as piadas, tão grotescas que nem vale a pena reproduzir, foram feitas em público, com ampla divulgação. Ou seja, não foi um desabafo infeliz no grupo da família, mas um espetáculo cuidadosamente editado, publicado, promovido e monetizado. Com direito a risadas sobre vítimas de abuso, idosos, pessoas com deficiência… Uma seleção de horrores que nem todo mundo pagou para ver, mas que a internet tratou de espalhar como praga digital.
A velha desculpa do “eu estava brincando” foi, claro, sacada do bolso como um amuleto jurídico. Aparentemente, tudo vira “era só uma piada” quando a justiça bate à porta. Racismo? Homofobia? Capacitismo? Que nada, é só humor, você que é “sensível demais”, puro mimimi! O problema é que o Direito brasileiro, maldoso que só, não aceita “tava zoando” como excludente de ilicitude. O que vale não é a desculpa esfarrapada, mas o conteúdo da fala e o impacto social. A intenção de ofender pode até ser negada, mas se a “piada” reforça estereótipos e humilha grupos já marginalizados, parabéns: temos um crime.
Do ponto de vista cultural e filosófico (sim, existe vida fora do Twitter), o humor tem poder: pode desmontar opressões ou fortalecê-las. Pode humanizar, provocar empatia, ou pode zombar da dor alheia e perpetuar violências com risadinhas cúmplices. Frantz Fanon já mostrava como o riso sobre o colonizado era um instrumento de desumanização. Pierre Bourdieu chamaria isso de violência simbólica disfarçada de descontração. Já as frases “não aguenta uma piada?”, “é só humor, não leva a sério”, “hoje tudo é racismo” são só o velho truque de desviar a culpa: o problema não é o agressor, é o ofendido que sente demais.
Existe uma diferença gritante entre o humor que denuncia e o humor que perpetua. Um comediante negro falando de suas vivências pode fazer humor de resistência. Um comediante branco zombando dos traumas alheios está só fazendo humor de dominação. Mas isso, para alguns, é “mimimi identitário”. Para outros, é só senso de justiça. Resta perguntar: quem está rindo, de quem, e por quê? Porque o riso, meus caros, nunca é neutro.
Por fim, repetir que “era só uma brincadeira” ou gritar “liberdade de expressão” não apaga o impacto real de falas racistas. Humor é expressão, sim! Mas isso não o isenta de responsabilidade ética ou legal. Piadas que reforçam preconceitos, mesmo sem má intenção declarada, alimentam desigualdades, sustentam estruturas de exclusão e, adivinhem? Têm consequências. Porque no final das contas, rir de quem já sofre não é coragem. É covardia performada com microfone e risada ensaiada.
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