Escola Cívico-Militar: Fracasso e humilhação – Por Maurício Saliba

O projeto das escolas cívico-militares é um símbolo do fracasso da educação pública no Brasil. Sua existência parte do pressuposto elitista de que a indisciplina e o baixo rendimento escolar são problemas exclusivos dos filhos dos pobres, enquanto as escolas particulares seguem outro modelo, pautado na formação crítica e na autonomia. A adesão de alguns pais desesperados, que enxergam nesse sistema uma forma de “terceirizar” a vigilância e a disciplina dos filhos, é compreensível, mas revela um equívoco profundo sobre a natureza do problema educacional.

As escolas cívico-militares são extremamente caras e, até o momento, não há evidências concretas de que tenham melhorado a qualidade da educação em qualquer aspecto significativo. O custo por aluno nessas escolas é exorbitante quando comparado às escolas públicas regulares. Enquanto um estudante das redes estaduais, distrital ou municipais custa entre R$ 2.875,03 e R$ 4.935,71 por ano, nas escolas militares esse valor sobe para R$ 19.000.
Essa diferença de investimento poderia ser direcionada para melhorias estruturais, aumento salarial dos professores e formação continuada, mas, em vez disso, financia a presença de militares na gestão escolar. Cada escola cívico-militar emprega até 18 militares, com gratificações que variam entre R$ 2.600 e R$ 9.100, além de auxílios e benefícios adicionais. Importante ressaltar que esses militares não precisam abrir mão de seus salários ou aposentadorias, tornando-se uma casta privilegiada dentro do próprio setor público.
Um coronel das Forças Armadas, por exemplo, que recebe um salário de cerca de R$ 15.500, ao ser designado para uma escola cívico-militar, acumula mais R$ 9.100, totalizando R$ 24.600 mensais. Já um sargento, que ganha R$ 6.500, passa a receber R$ 9.100 ao final do mês. Quando contrastamos esses valores com os salários dos professores, fica evidente que o projeto das escolas cívico-militares é, acima de tudo, um mecanismo de concessão de privilégios a determinados setores do funcionalismo público.
Muitos dos defensores desse modelo evocam um saudosismo ingênuo, alegando que “no seu tempo” os alunos respeitavam mais os professores. O problema dessa visão é que ela ignora que os tempos mudaram. As famílias de hoje são diferentes, os pais são outros e os filhos, consequentemente, também mudaram.
A crise da autoridade na educação está diretamente ligada à mudança na estrutura familiar e à perda do papel socializador dos lares. Antes, as crianças eram socializadas dentro de casa, e a escola apenas ensinava. Ou seja, quando a família socializava, a escola ensinava. Hoje, a escola tem que cumprir ambos os papéis, e isso sobrecarrega os professores, que acabam adoecendo em um ambiente hostil e desvalorizado. A solução para esse problema não está na imposição de um modelo autoritário e repressivo, mas no fortalecimento da escola como espaço de aprendizado, com investimento em infraestrutura, melhores condições de trabalho para os professores e formação para lidar com os desafios contemporâneos.
A presença de militares na escola não resolve o problema da indisciplina, apenas impõe uma ordem artificial baseada na obediência hierárquica e na violência moral, se não física. Quem passou pelo serviço militar sabe que a lógica da caserna é fundada no medo, na punição e na humilhação. Essa é a educação que queremos? Certamente não para nossos filhos, mas, para os filhos dos pobres, muitos acham aceitável.
Se queremos formar cidadãos para uma sociedade democrática, devemos investir na autodisciplina e na autonomia. Disciplina não significa obediência cega, típica dos quartéis, mas sim a capacidade de negociar, ceder e argumentar.
A escola pública precisa ser valorizada e repensada, mas a solução não está em transformar salas de aula em quartéis. Se quisermos uma educação de qualidade, precisamos enfrentar os verdadeiros desafios: valorizar os professores, garantir recursos, estruturar um ensino que dialogue com a realidade dos alunos e fortalecer o vínculo entre família e escola. O resto é paliativo dispendioso e ineficaz, que apenas reforça desigualdades e beneficia poucos às custas de muitos.
Concluindo, como nos ensina Fernando Savater, a solução não consiste em uma escola-quartel ou em um modelo escolar de reformatório, onde os jovens sejam “reformados” e disciplinados, transformando as escolas em cárceres ou presídios. Ao contrário, deve-se fomentar a formação de cidadãos livres, e não controlados por regulamentaristas fanáticos que, certamente, usarão esses meninos e meninas pobres como cobaias de sua síndrome do pequeno poder.

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Editor Ourinhos Online