A condenação de Bolsonaro: a luta contra o fascismo que insiste em voltar Por Maurício Saliba
Compartilhe
A recente condenação de Jair Bolsonaro e de outros réus por crimes contra a democracia representa mais do que um episódio jurídico: é quase uma lembrança incômoda de que a lei ainda existe, mesmo para aqueles que se imaginavam acima dela. Trata-se de um gesto de resistência contra formas de fascismo que insistem em retornar travestidas de “patriotismo” ou de “defesa da liberdade”. Quando a justiça finalmente se move, mesmo que tardiamente, expõe-se a fragilidade de um projeto autoritário que se alimenta da mentira e da violência simbólica. A cada julgamento, fica evidente que a democracia, apesar de seus tropeços, ainda tem anticorpos para reagir ao vírus do autoritarismo.
O fascismo, tal como descrito por Jason Stanley, não deve ser entendido apenas como um regime político datado do século XX, mas como um conjunto de práticas e discursos que permanecem vivos e reatualizados em novas roupagens. As marcas do fascismo clássico, lei e ordem, anti-intelectualismo, construção de inimigos internos, propaganda, racismo e controle moral, encontram eco na extrema-direita atual, revelando sua força como ideologia que se reinventa para responder às ansiedades sociais contemporâneas.
A ideia de “lei e ordem” continua a ser uma das principais bandeiras. Sob a justificativa de garantir segurança, políticas autoritárias são defendidas como necessárias para combater o “caos” social. Contudo, esse apelo raramente se volta para a criminalidade de fato, mas para grupos estigmatizados: moradores de periferia, imigrantes, militantes de movimentos sociais. O discurso da ordem funciona como dispositivo de exclusão, mantendo privilégios e silenciando demandas por justiça social. O que deveria ser um princípio universal do Estado de Direito se transforma em ferramenta de perseguição seletiva.
Outro aspecto central é o anti-intelectualismo. Nos regimes fascistas do passado, intelectuais críticos eram perseguidos e a produção de conhecimento independente era vista como ameaça. Hoje, assistimos a um movimento semelhante: a deslegitimação da ciência, da universidade e da imprensa crítica. A negação de pesquisas sobre clima, vacinas, gênero ou desigualdade não ocorre apenas por ignorância, mas como estratégia política. Ao atacar o pensamento crítico, cria-se um ambiente no qual apenas a “verdade” do líder ou do grupo ideológico importa, substituindo o debate racional pela autoridade carismática.
O alvo preferencial desse anti-intelectualismo são os professores e as universidades públicas, acusados de “doutrinação” e transformados em inimigos da nação. A escola e a pesquisa, em vez de serem reconhecidas como espaços de formação crítica e produção de conhecimento, passam a ser atacadas como centros de corrupção moral. O fenômeno é agravado por uma espécie de “burrice orgulhosa”, onde a ignorância é exibida como virtude e a recusa ao pensamento complexo se apresenta como sinal de autenticidade. Trata-se de inverter o papel da educação: quem deveria iluminar a vida pública é silenciado, enquanto a mediocridade é celebrada como prova de coragem.
A transformação do inimigo em uma “raça inferior” também permanece, embora sob novas formas. Se antes o alvo eram judeus, agora os inimigos são apresentados como “esquerdistas”, “comunistas” ou “globalistas”, retratados não como adversários políticos legítimos, mas como degenerados morais, corruptos e inimigos da nação. No caso brasileiro, vigiados pela GESPADO bolsonarista (ABIN paralela). Essa desumanização justifica práticas de ódio e violência, naturalizando o ataque a opositores. Assim, a divergência política deixa de ser parte constitutiva da democracia e passa a ser vista como ameaça existencial.
A propaganda desempenha papel fundamental nesse processo. No século XX, regimes fascistas usavam jornais, rádios e cinema para propagar sua visão. Hoje, as redes sociais se tornaram o principal instrumento. As chamadas fake news cumprem a função de difundir medo, ressentimento e desinformação em larga escala. A lógica é simples: repetir incessantemente uma mentira até que ela pareça verdade, criando um ambiente em que a própria noção de realidade compartilhada é corroída. A dúvida permanente e a manipulação emocional substituem o debate público informado.
O racismo contra minorias e a perseguição a grupos LGBTQIA+ completam o quadro. No passado, os fascistas se apoiavam na “pureza racial”; no presente, essa lógica se atualiza no ódio contra imigrantes, negros, indígenas e pessoas não conformes à norma heterossexual. O discurso de defesa da “família tradicional” e da moralidade sexual funciona como código para marginalizar e excluir. Ao mesmo tempo, a ansiedade sexual é mobilizada como ferramenta política: apresenta-se o feminismo e a diversidade de gênero como ameaças à virilidade nacional, reforçando um ideal de masculinidade agressiva e controladora.
Esses elementos revelam que o fascismo não é um espectro distante do passado, mas uma gramática política que retorna em novos contextos. A extrema-direita contemporânea se apropria dessas ferramentas para capitalizar medos sociais, medo do crime, do declínio econômico, da perda de privilégios, da transformação cultural. O resultado é um projeto político que mina a democracia por dentro, corroendo valores como igualdade, pluralidade e liberdade crítica.
Reconhecer essas características é fundamental para resistir. Se o fascismo opera pela manipulação do medo e pela fabricação de inimigos, a resposta deve ser a afirmação da solidariedade, do diálogo crítico e da proteção incondicional dos direitos humanos. Mais do que um exercício acadêmico, compreender as engrenagens fascistas no presente é um ato de responsabilidade política: só assim podemos impedir que a sombra do autoritarismo se torne novamente realidade.
Apoie o Ourinhos.Online⬇️
https://apoia.se/ourinhosonline