Socialismo em Nova York: Conheça Zohran Mamdani, futuro prefeito da Cidade do Império – Por João Felipe Carvalho
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A vitória de Zohran Mamdani nas primárias democratas para a prefeitura de Nova York não é só um feito eleitoral, mas o anúncio formal de algo novo que se move no subsolo da política dos Estados Unidos. Aos 33 anos, Zohran Mamdani, um socialista, filho de imigrantes e muçulmano, derrotou o establishment democrata encarnado em ninguém menos que Andrew Cuomo — ex-governador, amigo dos Clinton e rosto conhecido do “centro” democrata.
Aos que leram o título e o primeiro parágrafo com grande entusiasmo, acalmem-se. Saibam que, por enquanto, apenas as eleições primárias foram realizadas, portanto o partido Democrata terá como representante nas eleições à prefeitura Zohran Mamdani. Sua campanha até aqui será propriamente comentada a seguir. Porém, é importante notar que o futuro oponente de Zohran, Curtis Sliwa, é parte de um setor conservador do partido republicano, que nunca elegeu nenhum prefeito na Big Apple. Portanto, das duas etapas, Zohran já fez o mais impressionante: Venceu o establishment ergendo diversas bandeiras socialistas.
É ainda menos trivial o que sua vitória representa para o futuro da política americana, principalmente diante do retorno crescente do trumpismo. Mamdani não chegou de paraquedas: já era deputado estadual, mas a diferença é que sua campanha olha para secções da sociedade de Nova York que muitas vezes são deixadas de lado: Dialogou com grupos LGBT+, taxistas, imigrantes e trabalhadores precarizados.
Sua campanha foi calcada em propostas como congelamento dos aluguéis, transporte público gratuito, creches universais e, o debate que se relaciona diretamente com a esquerda mundial e brasileira – taxação dos ricos. Foi possível sentir até uma influência dos grandes movimentos de base da esquerda latinoamericana em seus discursos e campanhas, mas em inglês com sotaque nova-iorquino. Ele não prometeu inovação tecnológica, mas dignidade. Não prometeu policiamento, mas segurança. Não prometeu levar os criminosos à justiça, mas levar justiça à sociedade. E venceu.
É nesse ponto que o projeto Mamdani se diferencia da caricatura do “radical de esquerda” vendida pelos republicanos e pela velha guarda democrata. Mamdani não é um forasteiro sem lastro, ou um vândalo incendiário de muita revolta mas retórica vazia, mas um fruto direto da presença – mais do que mera participação – nas lutas populares contemporâneas. Esteve presente na Walk to Work, no piquete dos motoristas de aplicativo, nas ocupações por moradia, e nos protestos do Black Lives Matter. Seu socialismo é situado. É um socialismo que bate à porta, literalmente: sua campanha foi uma das que mais mobilizou voluntários em visitas presenciais de casa em casa. Ao leitor brasileiro, é impossível não traçar as comparações com o candidato a prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos.
Dito isso, o establishment branco e conservador — agora personificado por Donald Trump e seus súditos — reagiu como sempre reage quando o poder tem a mínima chance de mudar de mãos: ameaça, criminalização e xenofobia. Em poucos dias, Mamdani foi chamado de “comunista”, “antissemita” e até de “terrorista”. O deputado de extrema-direita Andy Ogles tentou até mesmo revogar sua cidadania americana, sob argumentos risíveis e dignos de regimes autoritários que cassam opositores com base em acusações completamente ilegais. Trump, por sua vez, ameaçou em meios tons cortes de verba à cidade caso Mamdani “não se comporte”. Uma ameaça tão vazia e abstrata que não é possível se configurar o gatilho tampouco a penalidade.
Mas o comportamento que Trump teme é, no fundo, o comportamento da luta de classes, com o verdadeiro poder do povo, aquele que emana dos trabalhadores e se organiza contra os bilionários. Ao contrário do que o presidente insinua, não é Mamdani que ameaça Nova York — é o autoritarismo latente que cresce com ele. Afinal, quando um político eleito com apoio popular é ameaçado de deportação por suas ideias, o que está em risco não é apenas um mandato, mas a própria noção de cidadania democrática. Os Estados Unidos, fundadores da democracia ocidental moderna e uma vez protetores dos direitos fundamentais, dos freios e contrapesos e das instituições de liberdade dos humanos, hoje enfrentam uma pane deliberada em seu sistema político, uma crise fabricada e alimentada para servir à elite econômica que sempre venceu.
Nova York poderá, em novembro, ter seu primeiro prefeito muçulmano, socialista e filho de imigrantes. Se vencer, Mamdani não terá apenas derrotado o centro e a direita em sua cidade — terá provado, para os EUA e para o mundo, que o socialismo continua sendo necessário e possível, até mesmo no coração do capitalismo global.
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