Quando o conflito transborda: Israel, Palestina, e o assassinato no centro de Washington D.C. – João Felipe Carvalho

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Na noite de quarta-feira, 21 de maio, em pleno centro político dos Estados Unidos, o assassinato de dois jovens funcionários da embaixada de Israel chocou Washington DC, repercutindo imediatamente nas esferas diplomática, midiática e política. O crime, cometido em volta do Museu Judaico da capital, envolveu não apenas a morte de duas pessoas, mas também tratou-se de mais uma página no extenso mortuário do conflito Israel-Palestina, dessa vez fora da zona propriamente de guerra. A reação midiática e das diversas esferas políticas evidenciam como tragédias individuais podem ser imediatamente capturadas e instrumentalizadas para impulsionar interesses individuais, especialmente ao dividir com o intuito de radicalizar a população. Ao mesmo tempo em que o governo israelense relacionou imediatamente o atentado àquilo que chamou de “incitação antissemita global”, líderes e analistas discordaram quanto à interpretação do crime. É impossível separar com clareza se foi apenas um ato isolado de fanatismo ou apenas uma consequência direta da violência estrutural promovida por Israel contra Gaza. Yaron Lischinsky e Sarah Lynn Milgrim, ambos envolvidos com a diplomacia israelense em Washington DC, foram executados a tiros por Elias Rodriguez, um homem de 31 anos que, ao ser detido, declarou ter agido em nome da causa Palestina. A figura de Elias Rodriguez, autor confesso do duplo homicídio, tornou-se rapidamente um campo de disputa simbólica. Para as autoridades americanas, trata-se de um criminoso radicalizado “pela esquerda”, autor de um atentado com motivação política, que agiu em nome de causas internacionais como um inimigo do verdadeiro americanismo. Para o governo de Israel, ele é parte do “ódio antissemita” que teria se espalhado globalmente desde os ataques do Hamas em outubro de 2023. Já para a maioria dos setores da esquerda, Rodriguez representa uma expressão distorcida, desesperada e isolada de frustração diante de uma tragédia de ainda maiores proporções, em que os mandantes ainda estão impunes e continuam seus atos criminosos: o genocídio palestino em Gaza. De acordo com os relatos oficiais, Rodriguez viajou de Chicago a Washington portando legalmente uma arma de fogo, que veio a utilizar poucas horas depois contra os dois diplomatas. Segundo a polícia, ele comprou ingresso para o evento no Museu Judaico com antecedência, circulou pela área antes do crime, e agiu de forma metódica: disparou, recarregou, e disparou novamente contra vítimas específicas. Ao ser preso, declarou: “Fiz isso por Gaza, fiz isso pela Palestina”, deixando claro sua intenção politizada.

O debate público passou a polarizar entre leituras muito simplistas, que tentam igualar as ideias de antissemitismo e antissionismo. O antissemitismo é o ódio ao povo judeu, famosamente praticado durante o holocausto nazista. O antissionismo, por sua vez nega a legitimidade da criação do Estado de Israel em um lugar já ocupado pelo povo palestino. É importante que o leitor saiba que os dois não são sinônimos. Igualá-los só serve para aqueles que, na intenção de defender a posição moral do Estado de Israel, acusam qualquer questionador como antissemita. Esse tom acusatório que compara qualquer crítico à Israel a um nazista, frequentemente funciona para continuar permitindo que Israel siga em seu massacre e Apartheid em Gaza. Esse tipo de crime cometido por Rodriguez é individual, extremo e letal, e levanta inevitavelmente a questão da responsabilidade. Elias Rodriguez é, sem dúvidas, o autor do crime. Mas sua ação foi ou não impulsionada por um movimento maior? Aqui, a parte da mídia a quem interessa a manutenção do massacre em Gaza, simplificaria a discussão marcando-o como o esquerdista desequilibrado ou como o antissemita com ódio contra os judeus. A tática não é nova: -transformar um ato extremo em prova de que toda oposição aos seus pensamentos é uma ameaça. A resposta mais honesta, embora menos midiática, parece ser também a mais complexa: Rodriguez agiu sozinho, mas inserido em um contexto político carregado, onde a busca por justiça é de ausência de maneiras legítimas de resolução. O conflito já foi responsável pela morte de mais de 55 mil palestinos desde seu início em outubro de 2023. Essa tensão entre ação individual violenta e ação coletiva organizada é uma das chaves para entender o impacto desse tipo de evento. A história está repleta de casos em que atentados isolados foram usados para justificar a repressão de movimentos sociais inteiros. E no caso da luta pela Palestina, já severamente reprimida nos EUA e na Europa, o tiro de Rodriguez atingirá também os corpos de milhares de protestantes pela a paz que, de forma legítima e propriamente pacíficas, ocupam universidades, praças e ruas, exigindo o fim do genocídio em Gaza. Ao leitor interessado pelo cenário político global, ficam duas principais notas, que serão repetidas diversas vezes na presente coluna. A primeira, é que saibam, desde o início, que a maior parte das questões complexas que são simplificadas nos veículos midiáticos apenas aparecem assim por um esforço do autor, seja por motivo pedagógico ou expositivo – como o caso da presente coluna – ou por uma intenção torpe de desenhar um lado como moralmente bom ou ruim, criar os “vilões” e os “mocinhos”. Questionar essa visão maniqueísta não é apenas para fazer-se de “advogado do diabo”, mas é uma obrigação para a compreensão verdadeira e efetiva das disputas em qualquer cenário de complexidade tão grande como a política internacional. A segunda, de maior nível pessoal, é com a intenção de lembrar o leitor que o cenário global não é apenas resumido a tragédias, de menor ou maior nível, mas também de diálogos entre pessoas e grupos que buscam resolver problemas de grande escala. Violência, fome, desigualdade. Mas, apenas conhecendo profundamente as causas – e conhecendo a quem interessa que se mantenham – é possível que a diplomacia, em suas diversas vertentes, trabalhe em direção a um mundo melhor. Yaron Lischinsky e Sarah Lynn Milgrim foram duas das milhares de vítimas desse conflito odioso e violento. Que seus colegas de trabalho, diplomatas de Israel nos Estados Unidos, trabalhem em função da paz, e evitem ainda maiores perdas para a humanidade.

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Editor Ourinhos Online