O Brasil está falido?
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Por Luiz Alberto Vieira
Em visita ao Brasil, o ex-presidente norte-americano Bill Clinton chamou atenção ao que deveria ser óbvio, especialmente para aqueles que estudaram a história do capitalismo mundial: “o Brasil não está afundando e seu futuro será formidável”.
O que Clinton fez seria a tarefa da Presidenta Dilma e do Ministro da Fazenda Joaquim Levy, que deveriam lembrar da história econômica mundial e dos números da economia brasileira, que ainda são um dos melhores do mundo, a despeito da crise. Os dados fazem saltar ainda mais aos olhos a atitude monotemática do Ministério da Fazenda que não possui outro assunto além do ajuste fiscal.
Ao contrário do que dizem os ideológicos economistas do mercado, o Brasil está longe de ter quebrado.
Mas vamos aos números, o que era para ter sido o dever de qualquer economista profissional desde o começo da crise.
Em 2014, registramos um déficit primário de 0,589% do PIB, após anos de vultuosos superávits primários. O clima foi de derrocada das contas públicas, os comentários dos analistas econômicos era de como se o Brasil estivesse a beira da bancarrota, um pânico quase adolescente.
No entanto, quando analisamos as finanças públicas pelo mundo, vemos que déficits primários longe de serem uma exceção, são praticamente a regra das maiores e mais prósperas economias do mundo. De fato, os dados do Fundo Monetário Internacional mostram um dos menores déficits primários em 2014.
Ademais, déficits primários sequer são uma novidade para o Brasil pós-real. FHC em seu primário mandato chegou a registrar um déficit primário de 0,88% do PIB em 1997, após receber o mandato com um superávit primário que chegou a 5,21% do PIB.
| 
 Maiores déficits primários (%PIB)  | 
||
| 
 1º  | 
 Libia  | 
 -43,546  | 
| 
 2º  | 
 Venezuela  | 
 -11,349  | 
| 
 7º  | 
 Moçambique  | 
 -9,234  | 
| 
 14º  | 
 Japão  | 
 -6,672  | 
| 
 16º  | 
 Egito  | 
 -6,086  | 
| 
 29º  | 
 Equador  | 
 -4,348  | 
| 
 34º  | 
 Reino Unido  | 
 -3,813  | 
| 
 43º  | 
 Costa Rica  | 
 -3,11  | 
| 
 45º  | 
 Espanha  | 
 -2,935  | 
| 
 46º  | 
 Finlândia  | 
 -2,895  | 
| 
 57º  | 
 Índia  | 
 -2,494  | 
| 
 58º  | 
 Bolívia  | 
 -2,404  | 
| 
 65º  | 
 Suécia  | 
 -2,031  | 
| 
 66º  | 
 Estados Unidos  | 
 -2,003  | 
| 
 68º  | 
 México  | 
 -1,941  | 
| 
 71º  | 
 França  | 
 -1,925  | 
| 
 72º  | 
 Austrália  | 
 -1,897  | 
| 
 82º  | 
 Chile  | 
 -1,371  | 
| 
 95º  | 
 Argentina  | 
 -1,014  | 
| 
 113º  | 
 Uruguai  | 
 -0,615  | 
| 
 114º  | 
 China  | 
 -0,595  | 
| 
 115º  | 
 Brasil  | 
 -0,589  | 
É verdade que o déficit nominal foi substancialmente mais elevado do que o déficit primário, chegando a 6,22%. Mas cabe observar que é patamar semelhante à Espanha (-5,8%), Reino Unido (-5,6%) e Índia (-6,99%).
O Brasil tão pouco é um país endividado. Nossa dívida líquida era de 34,1% do PIB em 2014, abaixo dos 34,48% do final do Governo Lula.
Nossos dados de envidamento, também mostram uma das finanças mais sólidas do mundo. Mais uma vez, os dados desmentem a histeria criada nos últimos tempos:
| 
 Dívidas Líquidas (%PIB)  | 
|
| 
 Grécia  | 
 174,97  | 
| 
 Japão  | 
 126,066  | 
| 
 Portugal  | 
 120,278  | 
| 
 Itália  | 
 112,612  | 
| 
 França  | 
 87,851  | 
| 
 Egito  | 
 81,865  | 
| 
 Reino Unido  | 
 80,859  | 
| 
 EUA  | 
 80,108  | 
| 
 Espanha  | 
 62,604  | 
| 
 Alemanha  | 
 51,377  | 
| 
 México  | 
 43,394  | 
| 
 Africa do Sul  | 
 41,023  | 
| 
 Brasil  | 
 34,107  | 
| 
 Colômbia  | 
 33,789  | 
| 
 Holanda  | 
 33,353  | 
É bom lembrar que a posição externa do país é robusta. O passivo externo em investimentos em carteira foi de US$ 386 bilhões em setembro de 2015, segundo dados do Banco Central. Dessa forma, os US$ 361 bilhões que temos em reserva permitem que tenhamos caixa para praticamente zerar os investimentos estrangeiros em carteira ´no país, o que mostra a força do Governo para enfrentar ataques especulativos em caso de mudança de orientação da política econômica.
Mas se o Brasil não está falido, de onde vem todas as restrições e todos os ajustes que a econômica vem passando?
Ora, as restrições são de caráter legal, estabelecidas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, que é votada e aprovada anualmente pelo Congresso Nacional, que aliás impôs mais um ano draconiano em 2016, com muitos cortes de programas públicos, mais recessão e desemprego ao país.
Não há problema de caixa ao país, sendo os recursos da Conta Única mais do que suficiente, o déficit primário não é nada demais em relação aos demais países do mundo e novo endividamento também está equacionado. O problema é o próprio ajuste fiscal que fracassou por onde passou como Grécia e Portugal. Numa economia fechada como a brasileira é ainda mais complexo exportar uma recessão provocada pelo arrocho fiscal.
Há muita especulação no mercado brasileiro e os juros altos do Banco Central amplificam os problemas. Não há sentido lógico para que um título brasileiro de 10 anos no exterior(15,47%) pague mais que um título do Egito (15,31%) ou da Grécia (7,34%) nas mesmas condições. Como pode o Egito com um governo instável, cheio de problemas com o Estado Islâmico e com todos os indicadores piores do que do Brasil pagar menos juros?
Aliás, a forma como foi concebido o ajuste fiscal levou a um tarifaço de tarifas públicas que levou a alta de juros que custam muito mais do que as receitas obtidas pelas novas tarifas.
O estouro da inflação é fruto dos preços monitorados, controlados pelo Estado, e não dos preços livres não-comercializáveis, cujos preços são determinados pelas condições de oferta e demanda do setor privado nacional.
Outro problema do ajuste foi a contração na demanda, que ampliou a recessão provocada com a queda nos preços das commodities que chegam a 57% em 12 meses, patamar similar a queda do preço do café entre 1929 e 1931 (62%) e dos problemas da Petrobras para investir com a operação lava-jato, que segundo o Ministério da Fazenda teve impacto próximo a 2,0 p.p. do PIB.
É preciso que os economistas progressistas tenham coragem de apontar o equivoco do arrocho fiscal, ainda mais num momento que a Petrobras e o agronegócio tem dificuldade de puxar o desenvolvimento econômico.
Políticas contra-cíclicas, que permitam suavizar o ciclo econômico, fazem parte do rol de atribuições de qualquer ministério da fazenda do mundo e dos melhores bancos centrais, como o Federal Reserve, sendo recomendadas pelo mainstream econômico quando não se trata do Brasil.
O Brasil sofre hoje o que os economistas chamam de “síndrome de Jed Clampett”. O personagem Jed Clampett do filme “A Família Buscapé” fica bilionário ao descobrir petróleo em sua propriedade, mas o seu maior sonho permanece em encontrar alguém para remendar suas calças e cozinhar chouriço.
Assim, está na hora do Brasil olhar o seu extrato bancário e ver que absurdo falar o tempo todo em dívidas, quando sua preocupação deveria ser proporcionar um futuro melhor a todos os brasileiros. O experiente Bill Clinton percebeu rapidamente o estranho sentimento de um país tão promissor, algo tão estranho como a sovinice de Jed Clampett.
