Por que escrever? Por Luiz Bosco
Compartilhe
A vida capturada pelo capitalismo pode se tornar uma sucessão aborrecida de salas, de galpões, de ferramentas, de ônibus, de situações repetidas indefinidamente. Somos adestrados a agir mecânica e burocraticamente para “ter o sustento”.
Por outro lado, nossos pensamentos, emoções e desejos estão em crescente turbulência. Nunca estivemos tão desatentos, assistindo, clicando e rolando mil coisas ao mesmo tempo. Queremos tudo, derrubados por ondas incessantes de novidades. Amamos e deixamos de amar no ritmo das séries. Buscamos nos engajar em miríades de atividades e, em todas, queremos ser protagonistas.
Exigem de nós que sejamos produtores, publicitários, administradores, investidores, programadores, o ser-humano-empresa, que concentra todas as funções de uma corporação em uma só pessoa. Aliado a isso, devemos ter sempre sorriso plano, corpo magro e musculoso, pele uniforme, cabelos impecáveis. Viramos produtos.
O excesso satura, e então, não queremos nada; passamos horas deitados com um celular na mão, espelho e tótem. “Apodrecendo na cama”, como uma dessas gírias da Internet expressa bem.
Parece-me que soa inconveniente que, em meio a terabytes ululantes, eu insista em escrever. Hoje tudo pode ser redigido pela “inteligência artificial”. Quem ainda perde tempo sendo plenamente o autor das próprias palavras? Importa a quantidade e a aparência, pois o simulacro vale mais que o factual.
Irritantemente, publico um livro de poesias, intitulado “Se nasce…”, escrito em três anos. Parte desses textos foi primeiramente redigida à mão. Que disparate. Deveria me sentir envergonhado pelo hábito medievalesco frente à velocidade de bots escritores.
Frente à neurose que toda essa cibernetização da vida produz, ou amplia, gosto de lembrar que a palavra “texto” compartilha sua origem com as palavras “tecido” e “tecer”.
Sou leigo no que diz respeito à arte do tecer; o que posso dizer é que a imagem que me vem é de nos sentarmos junto ao novelo e, manualmente, realizarmos o trabalho, em um ritmo que respeita as exigências do material e as minúcias da ação. Não há por que se apressar, pois a atividade não o permite. A escrita é um artesanato, que toma pacientemente cada fio de significação e o entrelaça a outro, utilizando os significantes como os pontos em que se fixam.
Precisamos mais desse momento artesanal, em que nos permitimos elaborar tessituras. Seja para guardar para si, seja para lançar ao mundo, não importa. Eu poderia dar um motivo psicológico para isso e falar da nossa necessidade de atividade focada, aquela que fazemos sem pressa e sem preocupações simultâneas. É válido, mas prefiro um motivo existencial e poético: necessitamos tomar em nossas mãos o novelo da vida e o desenrolarmos, tecendo significados para além das preocupações e automatismos cotidianos, para nos fazermos humanos.
Luiz Bosco Sardinha Machado Jr. Psicólogo e Professor universitário.
Apoie o Ourinhos.Online⬇️
https://apoia.se/ourinhosonline
