Somos nossos próprios escultores

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Naquela manhã, o espelho não refletia apenas o contorno da imagem que insisto em chamar de “eu”. Ele devolvia perguntas. Quantas vezes nos moldamos para caber onde não pertencemos? Quantas vezes ajustamos nossas margens até que quase desaparecem? Dizem que mudar é crescer, mas há mudanças que custam caro demais: apagam a luz que nos define.

O início de qualquer transformação está no autoconhecimento. Não um conhecimento superficial, mas aquele que exige atravessar as sombras que evitamos. Somos, antes de tudo, territórios desconhecidos. Há em nós paisagens que assustam, mas que só compreendemos ao explorar. Aceitar o que encontramos é o ponto de partida para qualquer relação — conosco ou com o outro.

A vida, com seu caos, não pede permissão para nos testar. Dia após dia, ela equilibra o que podemos controlar com o que inevitavelmente nos escapa. E é nesse espaço, entre o domínio e a entrega, que aprendemos a dizer “não”. Não como uma negação, mas como um ato de afirmação. Um “não” pode ser tão poderoso quanto um “sim” — desde que seja dito com clareza e propósito.

Há também a zona de conforto, essa terra tantas vezes injustamente vilipendiada. Não é um erro habitá-la; o erro está em nunca sair dela. É preciso respeitar seu abrigo, mas, ao mesmo tempo, ter coragem de expandi-la. Crescer não é sobre romper. É sobre construir, pouco a pouco, o caminho que nos leva além.

O tempo, essa substância escassa e implacável, exige reverência. Não é apenas sobre o nosso tempo, mas sobre o tempo que os outros nos oferecem. Saber distinguir quem é apenas uma travessia de quem veio para ficar é mais do que sensibilidade; é sabedoria. E, quando encontramos quem deseja permanecer, que venha com a intenção de compartilhar, não de ocupar.

Relacionar-se não é apenas sobre dividir espaços; é sobre abrir-se ao risco da autenticidade. Ser, estar e ter não são facetas independentes. São pilares que, bem alinhados, sustentam quem somos. Relacionar-se, assim, é um convite para alinhar esses pilares, preservando o que nos torna únicos, mas permitindo encontros que nos ampliam.

Ainda assim, o mundo insiste em nos embrutecer. Reagir com intolerância ao que nos desagrada parece a resposta mais rápida. Porém, é a mais vazia. Compreender não significa concordar, mas é o primeiro passo para qualquer mudança genuína.

O mundo não é uma fórmula fixa; é uma multiplicidade. Cada indivíduo carrega em si camadas de história, contradição e esperança. Não é papel nosso generalizar. Tampouco cabe ao outro ditar os moldes que devemos seguir. Somos nossos próprios escultores.

E, ao final, o aprendizado mais difícil talvez seja este: abandonar a busca pela perfeição. Não existe molde ideal, e o perfeito é, muitas vezes, o mais distante do verdadeiro. O que existe, no fim, é o que criamos — com falhas, com marcas. Mas com vida.

Paula Hammel

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Editor Ourinhos Online