Sete, ou a fenda onde o tempo hesita – Por Paula Hammel

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Há dias que não são dias, mas fissuras onde o tempo se dobra; instantes que não passam, instantes reverberam como perguntas sem resposta. Foi num deles que se cruzaram — ou, talvez, se reconheceram num plano que não se atreve a nomear. Ele surgiu antes do instante; ela demorou no que parecia ausência. O encontro, se assim se pode chamar, foi menos uma ação do que uma suspensão; menos um começo do que uma continuidade interrompida. Algo resistia à passagem, algo que escapava ao olhar e ao discurso; e ainda assim, estava ali, firme no lugar onde o invisível toca o visível.

Nada era óbvio naquela tarde translúcida. O instante parecia curvar-se sobre si, como se tentasse adiar o prosseguimento. Ele apareceu primeiro, olhos acesos, gesto célere, pensamento que saltava entre ideias com voracidade. Ela chegou depois, sem urgência, num compasso de quem escuta antes de mover-se.

Não se trataram com euforia. Nenhum alarde, nenhuma insígnia visível. Um acontecimento sutil, talvez imperceptível a olhos distraídos. Mas algo ali resistia à lógica; como se aquela breve troca estivesse inscrita num plano anterior à linguagem.

Sete. O número que os envolveu não pretendia marcar celebrações. Mantiveram-no intacto, sem torná-lo símbolo público; preferiram guardá-lo onde habitam os segredos. Casaram-se mais tarde, por vontade mútua, mas sem forçar coincidências. Evitaram a repetição da data porque compreendiam que algumas coisas não devem ser reproduzidas; apenas mantidas em vibração.

Conviveram com estranhamentos. Ela, densa. Ele, faísca. Havia desencontros de tempo, ritmo, desejo; e, no entanto, construíram um intervalo possível entre essas forças. Não buscaram conciliação total. Souberam que certos afetos não se organizam por semelhança, mas por fricção respeitosa.

Ela oferecia pausa; ele devolvia presença. Nenhum deles pediu ao outro que abdicasse de si. Encontraram um modo de coexistência feito de gestos mínimos, pausas significativas, olhares que sustentavam silêncio sem inquietação. Amar, para eles, não era absorver; era permitir.

Hoje, novamente sete. Nada declarado, nenhuma palavra pronunciada em voz alta. Ela dobra o tecido sobre a mesa com lentidão deliberada. Ele circula entre cômodos, atento a sinais invisíveis; um copo pousado com precisão; uma toalha estendida em gesto contínuo. Pequenas ações tornam-se linguagem.

Entre ambos, a permanência não se deu pelo costume, mas por escolha reiterada. Resistiram à tentação da fusão; preferiram manter-se como margens paralelas que compartilham o mesmo curso sem misturar águas.

Sete, então, não é recordação. É uma dobra que insiste, um contorno que retorna, um ressoar quieto. Nenhum deles precisa nomear; ambos sabem. O acontecimento permanece em estado bruto, irrepetível, guardado naquilo que ainda vibra mesmo sem som.

Ali, onde o tempo não avança nem recua, apenas pulsa, o encontro se perpetua, não porque queira durar, mas porque escolhe existir.

Paula Hammel

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Editor Ourinhos Online