O mundo é o mesmo desde o começo: e as pessoas amam uma polêmica – Por Paula Hammel
As pessoas amam uma polêmica. E não é um amor comum — é um fervor quase litúrgico. Há algo de ancestral nesse prazer que brota do dissenso. Uma espécie de júbilo pré-civilizatório: a alegria de ver alguém escorregar na praça pública da internet, enquanto se aplaude silenciosamente, entre goles de opinião e doses de vaidade.
Basta uma vírgula fora de lugar, um adjetivo afoito, um pronome ambíguo, e o espetáculo se arma. Chegam os apóstolos do bom senso, os sacerdotes do veredito; cada qual com sua indignação requentada, sua lucidez de cinco minutos e um celular em punho.
A polêmica se veste de justiça, mas desfila por vaidade. Não há tempo para contexto, nuance ou hesitação. Pensar virou luxo; duvidar, suspeita; calar, omissão. O algoritmo tem pressa. E a pressa adora quem se indigna sem pensar.
Porque refletir, de verdade, exige pausa, silêncio, desconforto. Exige o trabalho ingrato de olhar para si e encontrar ali o mesmo defeito que se acusa no outro. É isso que ninguém quer: o espelho. Melhor o linchamento. Ele é mais rápido, mais vistoso! E ainda rende curtidas…
E quando faltam escândalos, criam-se. Não se desperdiça uma frase mal interpretada, uma ironia sem manual de instruções, uma gafe que possa ser emoldurada como prova de caráter. Ressuscita-se o que já morreu, distorce-se o que foi dito, cancela-se até quem ainda nem chegou.
Eu confesso nas linhas da vergonha: já fui entusiasta de algumas arenas. Já empunhei a espada das certezas (ou seja, da estupidez desamparada). Hoje, prefiro a delicadeza do não saber, a paciência de compreender, o exílio silencioso e curvo de quem observa o circo pegando fogo e se recusa a soprar.
Mas sei — e sei bem — que amanhã, desde que o mundo é mundo, tudo recomeça. Alguém tropeça, outro exagera, um terceiro descontextualiza. E os sinos tocam. E os dedos apontam. E a internet arde.
Porque o globo fofoqueiro e anarquista gira, mas a polêmica, ah, a polêmica gira armada, gira maquiada, gira faminta. E, se ninguém disser nada… ela morde a própria cauda só para continuar girando.
Paula Hammel
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