Gripes, resfriados e afins: o grito – Por Paula Hammel
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O corpo, fragmento errante de um ser que se dilui em névoa, emudece antes de poder ressoar. Não clama; apenas se ausenta na densidade de sua própria matéria. O ser, entregue à sua finitude, escorre por entre os dedos do que não se pode tocar. O vírus não é apenas agente – é vestígio, sombra de uma dissolução maior. Não invade, infiltra-se; não aniquila, evidencia o abismo entre o todo e o nada. A carne não resiste: hospeda o vácuo, torna-se passagem para o que, de antemão, já se desfaz.
Os linfócitos, sem nome e sem rosto, avançam em um combate sem contornos. Sua guerra não se volta contra o invasor, mas contra a vertigem do indizível. O corpo, desgastado, transmuta-se em campo onde a ausência finca raízes, mas nada pode deter o que não se define. A resistência não é ao vírus, mas à dilaceração do que nunca se soube inteiro. A cada estilhaço, a matéria se apaga e se refaz, expondo-se, em cada filamento, ao risco da própria não existência.
O vírus não é inimigo, mas espelho da ausência. Como curar o que não se deixa nomear? Como circunscrever em palavra aquilo que se dissolve no silêncio? A morte? Não se anuncia – habita. Oculta-se entre os suspiros, no intervalo em que o ser se desfaz sem testemunhas. E o que é o ser, senão essa hesitação entre um vestígio e o nada? Ele não resiste, apenas se perde – como um sussurro que nunca chegou a ser voz.
Paula Hammel
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