Saúde mental não pode passar em branco: uma entrevista com a professora Julise Franciele de Carvalho – Por Bruno Yashinishi
Neste mês de janeiro, o movimento “Janeiro Branco” ganha destaque, convidando todos a refletirem sobre a saúde mental e o bem-estar emocional, especialmente em tempos desafiadores como os de hoje. A ansiedade entre os jovens, uma das principais preocupações atuais, é tema do livro “A geração ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais” (2024), de Jonathan Haidt, que discute os impactos da hiperconectividade e das redes sociais no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Para discutir esses temas, conversamos com a professora Julise Franciele de Carvalho.
Julise é doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Mestra em Educação e graduada em Pedagogia pela mesma instituição. Ainda possui especialização em Educação Especial e Neuropsicopedagogia, com experiência na área educacional com ênfase em Desenvolvimento Humano e Aprendizagem. Atualmente é professora da rede pública do município de Cambé – PR.
BY: Professora Julise, Janeiro Branco é uma campanha que visa alertar para a saúde mental. Como você vê a relação entre o aumento da conscientização sobre saúde mental e o cenário descrito no livro “A geração ansiosa”?
JFC: Acredito que a conscientização é um grande passo, no entanto, ainda temos muito que avançar. As discussões do Livro de Jonathan Haidt emergem de pesquisas e dados que apontam um crescimento exorbitante da depressão e ansiedade entre crianças e adolescentes.
Compreendemos que a adolescência é uma fase de transição, é uma mudança significativa, onde o jovem precisa tomar decisões a respeito de sua escolha profissional, seu futuro, e as mais diversas circunstancias que compõem essa faixa etária, necessitando se autorregular diante dos desafios que se apresentam.
A incerteza do futuro pode gerar momentos de ansiedade e de incertezas, e acredito que aqui chegamos em ponto crucial, como esses jovens e adolescentes tem administrado sua vida? Essa geração tem acesso a informação rápida, um clique e você pode descobrir o que está acontecendo a milhões de quilômetros, mas será que isso tem sido benéfico? Esse é um ponto de discussão que o livro traz, o autor nos convida a pensar o papel da infância, não de uma infância conectada aos aparelhos eletrônicos, mas de crianças conectadas entre si. A importância das brincadeiras, dos desafios, do desenvolvimento da criatividade, possibilitando o desenvolvimento de habilidades e competências que serão extremamente uteis na vida adulta.
Por isso, acredito que as campanhas de conscientização precisam acontecer, não somente em janeiro, mas todos os dias precisamos pensar e discutir temáticas que contemple a saúde mental.
BY: No livro, Jonathan Haidt fala sobre o aumento vertiginoso da depressão e da ansiedade entre os jovens. Qual é a sua visão sobre essa epidemia crescente e o papel da educação nesse processo?
JFC: Enquanto professora da educação básica e do ensino superior percebo um aumento crescente de crianças, jovens e adolescentes que tem enfrentado problemas seríssimos em relação a saúde mental. Por várias vezes socorri alunos em sala de aula, com crise de ansiedade, depressão, crise de pânico. Também estou em processo de coleta de dados para o doutorado, meu tema também se vincula a discutir a ansiedade, e acredite, os dados da pesquisa são alarmantes.
Neste caso, a educação tem um papel crucial, não devemos banir o uso da tecnologia, mas precisamos ter consciência a pensar em práticas que possibilitem o desenvolvimento de estudantes mais autônomos, sujeitos ativos de seu processo, que consigam refletir sobre suas ações. Enquanto profissionais da educação precisamos correr contra a correnteza, as crianças já passam um grande tempo em casa na frente de aparelhos tecnológicos, a escola é um lugar de desafios, de momentos e situações que possam colaborar com o desenvolvimento cognitivo, social e também emocional dos alunos.
Não existe uma receita, mas precisamos sim continuar criando momentos de conscientização, dentro da escola e fora dela.
Este Livro é um recorte de pesquisas que mostram que a privação do sono, o vício das redes, e a privação social podem trazer grandes problemas de desenvolvimento, então sim, precisamos falar disso.
Nosso atual governo criou a Lei 15.100/25, que proíbe alunos de usarem telefone celular e outros aparelhos eletrônicos portáteis em escolas públicas e particulares, para mim isso é um grande avanço. A escola precisa promover momentos de interação, criatividade e desafios.
BY: A ansiedade, como um dos principais transtornos entre os jovens, tem se tornado uma preocupação cada vez maior. Quais são as principais causas dessa ansiedade no contexto atual e como a educação pode ajudar a mitigar esses efeitos?
JFC:O desenvolvimento da ansiedade se dá por inúmeros fatores, podemos dizer que as causas que podem desenvolver a ansiedade são multifatoriais e variam de pessoa para pessoa.
A ansiedade é própria do sujeito, algumas pesquisas relatam a importância da ansiedade na tomada de decisão e no desenvolvimento do sujeito. No entanto, é a ansiedade em excesso que pode desencadear problemas maiores, comprometendo a vida do sujeito, como podemos encontrar nas descrições elaboradas pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V).
BY: Com sua experiência em temas como resiliência, fracasso escolar e processos de ensino-aprendizagem, como você acredita que a hiperconectividade e o aumento da ansiedade entre os jovens podem impactar esses aspectos dentro da escola? Você vê algum impacto específico nas dinâmicas de aprendizagem e na construção da convivência socioemocional entre os alunos?”
JFC: Como professora recebo vários relatos de crianças, jovens e adolescentes que não querem mais frequentar as aulas, eles utilizam o termo: “minha bateria social acabou”, se privam dos desafios, e das relações de trocas. No entanto, é nas trocas, na convivência, nas relações que desenvolvemos com o outro, com o novo e com o diferente que somos convidados a vivenciar situações que nos permitam desenvolver empatia, respeito, colaboração dentre tantas outras habilidades que nos auxiliaram na vida adulta.
Acredito que uma vida hiperconectada pode trazer grandes danos ao desenvolvimento, não só das crianças, mas de todos nós. A ansiedade e a depressão não está restrita somente a esta faixa etária, precisamos pensar sobre nossas ações e atitudes e sobre as consequências que elas estão trazendo para nossa vida.
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