O corriqueiro – Por Paula Hammel

O corriqueiro não é normal, sem estilo ou não-brilhante. Quem debruça olhares para pequeninos acontecimentos, como quando uma formiga caminhante leva o alimento mais pesado que ela mesma — e que não lhe é fardo — compreendeu que o rotineiro não é desgracioso. O miudinho inseto, quase um ser pensante, trilha, com sua trilha de encarregados pelo “pão nosso de cada dia”, os mais diversos obstáculos para que todos, sem exceção, desconheçam a dor da fome. Formiguinhas não temem paredes, gramas secas ou cantinhos nos quais serão pegas de surpresa — vão além da rotina, do corriqueiro. Elas passeiam sozinhas, deixam as trincheiras sem saberem que irão para a guerra. Tão frágeis, a iminência do perigo as circunda por toda a sua curta vida. Morrem de propósito, mas com seus propósitos cumpridos, deveres de casa feitos e corrigidos. Deixam, para as que ficam, o exemplo gracioso e estiloso do esforço — que nem sempre nos é hábitual.

O hábito, não necessariamente, é normal. O trivial nem sempre é habitual, tampouco corriqueiro. A rotina pode não ser usual, e muito menos sem graça. A vida não é a mesma todos os dias, mas todos os dias, por haver vida, há surpresas. Ainda que os dias nos pareçam sempre iguais, jamais o serão. Nos habituarmos aos abraços, a dizer que amamos a quem realmente nos ama, a não brigarmos antes de dormir com quem quer que seja, deveria ser rotina corriqueira com outra designação: estilosa, abençoada com a graça da imperfeição de seres dedicados que construíram o pilar da não-saudade do que é realmente “normal”. Que a gente observe o universo e seus minúsculos habitantes por meia hora: os pormenores são interessantíssimos e assombrosos. Chato, de verdade, é ser grandiosidade por pura obrigação.

O que haveria de encanto se não existissem os momentos espantosos? Não cito apenas as queridas formiguinhas que roubam migalhas que não limparam por pura preguiça. O trivial, repito, nem sempre é habitual. E o hábito, nesse caso, no mínimo, deveria não ser usual.

E aos desavisados que tudo pensam ver, mas que nada enxergam: tá ok, é corriqueiro! Quem olha para uma formiga e acredita que ela trabalha sempre no mesmo “escritório”, tem olhos de gente “normal”.

Paula Hammel

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Editor Ourinhos Online