Escolas cívico-militares: modelo contraria princípios da educação pública e da cidadania

Especialistas alertam que disciplina militarizada não resolve as causas da violência nas escolas e compromete a formação democrática dos alunos

Diante do aumento dos casos de violência nas escolas, parte da sociedade tem buscado soluções que prometem resultados rápidos. Uma das propostas que ganhou força nos últimos anos foi a transformação de escolas públicas em instituições com gestão militarizada — as chamadas escolas cívico-militares.

Embora o programa tenha sido encerrado no âmbito federal em 2023, a proposta continua sendo adotada por alguns estados, como São Paulo e Amazonas. A ideia central é que a disciplina, a hierarquia e a obediência típicas do ambiente militar possam trazer ordem ao ambiente escolar e reduzir casos de violência.

Dados que geram debate

De fato, números apresentados pelo próprio Ministério da Educação em 2022 mostram que as escolas que aderiram ao modelo cívico-militar tiveram redução significativa nos índices de violência: 82% na violência física, 75% na verbal e 82% na patrimonial. Além disso, 85% da comunidade escolar declarou estar satisfeita com as mudanças.

Porém, especialistas em educação alertam que esses números, por si só, não são suficientes para validar o modelo. Isso porque, quando analisados de forma isolada, mascaram os impactos negativos sobre a formação dos alunos e sobre os princípios da educação pública.

A mesma pesquisa revelou um dado preocupante: fora dos muros da escola, os estudantes continuaram resolvendo seus conflitos com violência. Isso levanta um alerta: estaria a escola apenas reprimindo os conflitos, sem ensinar de fato a resolvê-los de forma pacífica?

Fragilidade do modelo

O Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (PECIM), lançado em 2019, surgiu com o objetivo de melhorar o desempenho escolar e reduzir casos de evasão, indisciplina e violência. No entanto, parte da comunidade acadêmica e de entidades ligadas à educação questiona os reais benefícios dessa proposta.

“O grande problema é acreditar que a violência dentro das escolas é um problema que se resolve apenas com disciplina, controle e imposição de regras”, afirma a professora e pesquisadora em políticas públicas, Ana Beatriz Silva. “A violência na escola reflete desigualdades sociais muito mais profundas: fome, desemprego, racismo, negligência e falta de políticas públicas eficazes.”

Além disso, o modelo cívico-militar fere princípios estabelecidos na própria Constituição Federal. O artigo 205 estabelece que a educação deve promover o desenvolvimento pleno do cidadão, preparando-o para o exercício da cidadania e para o trabalho. Já o artigo 206 reforça princípios como a gestão democrática, a liberdade de aprender e ensinar e o respeito à pluralidade de ideias — elementos que colidem diretamente com a lógica autoritária e hierarquizada imposta pelo modelo militar.

Uma escola que educa para obedecer — não para pensar

Na prática, transformar a escola em um espaço de obediência cega não prepara os alunos para viver em uma sociedade democrática. Ao contrário, sufoca a diversidade, desestimula o pensamento crítico e reforça estruturas de opressão.

O educador e filósofo brasileiro Paulo Freire, referência mundial em educação, já alertava: “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor.” Ou seja, ao invés de formar cidadãos conscientes e preparados para a vida em sociedade, esse modelo ensina apenas a obedecer, sem espaço para diálogo, questionamento ou construção coletiva.

O caminho não é pela repressão, e sim pela inclusão

Experiências bem-sucedidas no Brasil e no mundo mostram que é possível enfrentar a violência escolar sem abrir mão da democracia e do diálogo. Investir em políticas públicas que garantam acesso à cultura, ao esporte, à assistência social e à saúde é tão ou mais eficaz do que simplesmente impor regras rígidas.

“Se queremos escolas seguras, precisamos de professores valorizados, psicólogos, assistentes sociais, projetos culturais, artísticos e esportivos dentro da escola. A segurança nasce de uma comunidade escolar fortalecida, não de quartéis disfarçados de escola”, defende o educador social Luiz Henrique Souza.

Escolher qual modelo de educação queremos é, no fundo, escolher qual sociedade queremos construir. Uma sociedade baseada no medo e na obediência cega? Ou uma sociedade baseada no respeito, no diálogo, na inclusão e na construção coletiva da paz?

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Editor Ourinhos Online