Janela Indiscreta: A porta de entrada para Hitchcock – Por Bruno Yashinishi
Se você ainda não viu Janela Indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock, é melhor começar a se preocupar com sua formação cinematográfica. Se você está se perguntando o que essa obra-prima tem a ver com sua vida, permita-me uma breve lição de história: Hitchcock foi o mestre do suspense e, de forma sutil, o grande arquiteto da nossa eterna ansiedade por ver mais do que deveríamos. E Janela Indiscreta é, sem dúvida, a melhor porta de entrada para esse labirinto de paranoia e observação indesejada.
No filme, o fotógrafo L.B. Jeffries (James Stewart) não tem nada mais interessante para fazer do que espionar seus vizinhos de um apartamento. Quem não adoraria passar o tempo espiando a vida alheia, não é mesmo? Talvez você esteja se perguntando “mas, e a moralidade?” Bem, Hitchcock está ali para te mostrar que o que você pensa ser moralmente errado, na verdade, é a melhor diversão. Afinal, quem nunca se pegou imaginando o que acontece do lado de fora da janela? Ou, quem sabe, dentro da casa do vizinho do lado? Não julgue, todos já fomos Jeffries, só que com um smartphone em mãos.
A beleza de Janela Indiscreta está na maneira como Hitchcock transforma um cenário banal — um homem preso a uma cadeira de rodas, sem poder sair de casa — em uma máquina de tensão. O que Jeffries vê não são apenas pessoas tomando chá e fazendo jardinagem, mas algo bem mais emocionante: a possível morte de alguém. Claro, ele não tem provas, mas quem precisa delas quando a imaginação pode fazer o trabalho por você? Ah, a doce, doce arte de acreditar no que a mente cria. Hitchcock, com seu humor ácido e fino, nos coloca em uma posição desconfortável, onde nos vemos tão envolvidos em desvendar o mistério quanto Jeffries, sem nos dar o alívio das respostas claras.
A ironia, claro, é que o verdadeiro “assassinato” aqui não é o crime de fato, mas o que fazemos com nossas suposições. Ali, no sofá, com as cortinas fechadas, estamos todos nos tornando Jeffries, mas sem a cadeira de rodas — somos apenas prisioneiros do nosso desejo insaciável de saber mais. O voyeurismo, que Hitchcock tão habilmente explora, é uma maneira de nos colocar no centro da ação sem nunca realmente nos movermos. Vamos todos nos perguntar: até onde vamos, como observadores, antes de ultrapassar os limites? E o que podemos aprender sobre nós mesmos enquanto nos divertimos com o sofrimento alheio?
E não vamos esquecer a brilhante forma como Hitchcock manipula o suspense. Cada olhar furtivo pela janela, cada gesto de Jeffries, é carregado de uma tensão que vai se acumulando lentamente, até o ponto em que estamos todos quase implorando por uma revelação — mesmo que, no fundo, saibamos que o melhor de Hitchcock sempre é deixar a dúvida no ar. Ele é, afinal, um mestre em fazer com que a espera seja a verdadeira protagonista.
Janela Indiscreta não é apenas um estudo sobre a tensão e o suspense. É uma aula de como o olhar, o desejo de ver mais, se torna uma obsessão. Ao se tornar espectador, você é arrastado para o jogo de Hitchcock, onde, muitas vezes, a resposta mais óbvia é, na verdade, a mais enganosa. E se você acha que está apenas vendo um simples jogo de gato e rato, melhor repensar. Hitchcock não está apenas nos pedindo para assistir — ele nos desafia a questionar o que estamos fazendo ao observar.
Portanto, se você ainda está em dúvida sobre onde começar a sua jornada pelos filmes de Hitchcock, Janela Indiscreta é, sem dúvida, o lugar perfeito. E a ironia está aí: ao assistir ao filme, você se torna o verdadeiro voyeur. O que, convenhamos, é exatamente o que Hitchcock esperava.
Quando me perguntam: por qual porta entrar para o mundo de Hitchcock? A resposta é mais do que certeira: pela janela
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