E se Roque Santeiro fosse uma novela atual norte-americana? Por Bruno Yashinishi
Imagine Roque Santeiro, a icônica novela brasileira, reinventada como uma série dramática, sombria e satírica da HBO ou Netflix, ambientada na América profunda de 2025. O nome? Talvez The Saint of Liberty Hill. A trama? Um épico sobre fé, poder, lucro e mitologia — a verdadeira religião dos tempos modernos.
A fictícia Asa Branca se transforma em Liberty Hill, uma cidade conservadora no Texas, onde a realidade é moldada por redes sociais, igrejas evangélicas high-tech, teorias da conspiração e bilhões de dólares em investimento especulativo. Lá, a história de um herói perdido virou patrimônio cultural, produto de exportação e dogma religioso.
Roque, na nova versão, é um ex-fuzileiro naval desaparecido em missão secreta. Declarado morto, virou símbolo nacional, transformado em mártir por políticos, pastores e plataformas de streaming. Sua imagem estampa bandeiras, bonecos de ação e até um game em realidade aumentada. Mas Roque representa mais que um homem: ele é o dólar. Morre em crises, enfraquece em guerras, mas sempre ressurge — mais forte, mais desejado, mais adorado. Uma divindade econômica que ninguém entende completamente, mas todos cultuam.
Sinhozinho Malta virou uma fusão bizarra de Donald Trump e Elon Musk: um bilionário do petróleo e da tecnologia, que diz defender os valores da América enquanto manipula mercados, eleições e algoritmos. Vive de chapelão, metido a caubói, gravando lives patrióticas com drones sobrevoando sua mansão. Seus discursos misturam fé, medo, liberdade e controle — tudo ao som de hinos e ações da bolsa subindo.
A Viúva Porcina se tornou uma influencer evangélica internacional. Fundadora da “Igreja da Vitória Estética”, vende kits de unção facial, conselhos conjugais com base no Velho Testamento e cursos online de empoderamento cristão. Nunca foi viúva de verdade — só marqueteira com visão. Fechou contratos com empresas de cosméticos e foi chamada para orar com candidatos presidenciais em horário nobre.
Zé das Medalhas, por sua vez, virou o retrato perfeito do pequeno capitalista armado: dono de um armazém de relíquias militares, onde vende desde camisetas com a cara de Roque até “fragmentos originais” da guerra em que ele lutou (falsificados, é claro). Zé acredita no lucro e em medalhas — principalmente as que ele mesmo forjou. É o típico americano que acha que capitalismo é liberdade e que qualquer crítica é coisa de “marxista infiltrado”.
E o lobisomem? Claro que tem! Mas agora é visto por câmeras de segurança, capturado por drones da CIA e viralizado no TikTok. Dizem que é um experimento militar israelense, um clone selvagem ou um mutante radioativo. Outros juram que é só um figurante mal pago tentando manter o folclore vivo. A verdade? Não interessa. O importante é gerar medo e engajamento.
E no centro moral da série está ele: o Papa Leão XIV — antes conhecido como padre Hipólito. Agora, sentado no trono de São Pedro, tenta conciliar o peso milenar da Igreja com a velocidade das redes sociais. Escreve encíclicas no X (antigo Twitter), grava homilias em podcast e ainda busca entender como manter a fé em um mundo que prefere teorias da conspiração a parábolas. É uma figura trágica: quer manter o espírito vivo, mas precisa negociar com CEOs, políticos e algoritmos.
Quando Roque reaparece — de carne, osso e frustração — o sistema entra em pane. A verdade não vende. O herói real é humano demais, complexo demais. E isso atrapalha. Roque começa a questionar tudo: o que fizeram com sua imagem, quem lucrou com sua “morte”, quem realmente acredita nele. Ele é o mito encarnado… e por isso precisa ser silenciado.
No fim das contas, essa Roque Santeiro americana não seria sobre fé ou heroísmo. Seria sobre espetáculo. Sobre como o mito, uma vez lucrativo, não pode ser quebrado. Sobre como preferimos acreditar em narrativas confortáveis, ainda que falsas, do que lidar com a crueza do real.
Roque é o dólar, é Jesus pop, é super-herói caído. Morre, renasce, e continua comandando corações — e carteiras. Não precisa existir para ser amado. Só precisa render.
E nós? Continuamos assistindo, comprando, curtindo e orando. Porque, no fundo, a novela americana é a mesma: só trocou o idioma, o cenário… e os patrocinadores.
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