Cronicamente inviável (2000): um filme e um Brasil atual mesmo após 25 anos – Por Bruno Yashinishi
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Lançado no ano 2000, Cronicamente Inviável, de Sérgio Bianchi, é um soco na cara. O filme expõe, sem rodeios ou concessões, as entranhas de um país que aprendeu a conviver com a barbárie como se fosse rotina. E o mais perturbador é que, passados 25 anos, quase tudo o que ele denuncia continua exatamente igual. Em alguns aspectos, piorou. O Brasil de hoje não é menos violento, menos desigual ou menos hipócrita. É apenas mais cínico e mais acostumado a si mesmo.
O filme não tem heróis, não tem alívio, não tem final esperançoso. Não oferece um arco narrativo de superação. Ele apenas mostra, sem pudor, o que sempre esteve diante de nós. Racismo estrutural, turismo predatório, relações de trabalho baseadas em humilhação, corrupção institucionalizada, miséria normalizada. Tudo encenado em diálogos que soam absurdos apenas porque são reais demais. E porque é mais fácil rir ou se chocar do que admitir que esse é o país que sustentamos todos os dias com silêncio e consumo.
Cronicamente Inviável não suaviza a crítica com metáforas nem tenta fazer sociologia de festival. Ele mostra a elite branca brasileira em sua forma mais crua. Mostra o desprezo, o tédio, a arrogância de quem naturaliza a desigualdade como destino e trata os outros como se fossem descartáveis. É um filme incômodo porque não tem medo de afirmar o óbvio. O Brasil não é um país que deu errado. É um país que funciona exatamente como foi projetado. Para poucos. À custa de muitos.
O que Bianchi antecipa em 2000 é um Brasil que ainda viria a vestir sua máscara mais grotesca. Vinte e cinco anos depois, vemos os mesmos discursos racistas circulando nas redes sociais, a mesma impunidade para quem explora, a mesma violência contra corpos negros, indígenas, pobres. O Estado continua sendo omisso quando não é o próprio agente da violência. O cinema, cada vez mais sufocado, raramente consegue alcançar o tom de indignação que este filme sustenta do começo ao fim.
Rever Cronicamente Inviável hoje não é apenas um exercício de memória. É um ato político. Porque nos obriga a olhar para aquilo que o discurso liberal tenta encobrir com palavras como meritocracia, empreendedorismo e conciliação. O filme rasga essa fantasia com a frieza de quem já entendeu que não há conciliação possível entre opressor e oprimido. O que existe é estrutura. E ela se mantém.
Em um país onde a arte é constantemente ameaçada, onde o cinema é censurado ou ignorado, obras como essa precisam ser vistas, debatidas, difundidas. Não para aliviar a consciência, mas para incomodá-la. Para lembrarmos que o Brasil segue sendo cronicamente inviável. E que isso não é uma metáfora. É o retrato de um projeto de país que se repete há séculos.
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