Brasil em transe, entre o passado alegórico e o presente real Por Bruno Yashinishi

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Lançado em 1967, em meio às tensões da ditadura militar, o filme Terra em transe, de Glauber Rocha, permanece, décadas depois, assustadoramente atual. A obra, uma alegoria política ambientada no fictício Eldorado, retrata a decadência de um sistema político corrompido, em que ideologias se esvaziam diante da luta pelo poder. Passados quase 60 anos, o Brasil real parece ter encarnado o Brasil metafórico de Glauber.

Em Terra em transe, Paulo Martins é o intelectual dividido entre dois candidatos antagônicos: Porfírio Diaz, o populista autoritário, e Felipe Vieira, o político reformista que, uma vez no poder, trai seus ideais. A frustração de Paulo é a frustração de uma geração diante da falência da política enquanto projeto coletivo. Hoje, a figura do intelectual crítico, antes respeitada como consciência social, é frequentemente desqualificada em discursos polarizados, reduzida a um ruído incômodo em um país que parece cada vez mais surdo ao debate.

No Brasil contemporâneo, os paralelos com o filme se impõem: a polarização política, a desilusão com os partidos, a ascensão de líderes populistas, a manipulação da mídia e o uso da violência simbólica e literal como instrumentos de controle. Eldorado é aqui. As promessas de transformação são esvaziadas por alianças espúrias, enquanto o povo segue à margem, usado como massa de manobra em guerras políticas que pouco dialogam com a realidade concreta das ruas.

Glauber Rocha não propõe soluções fáceis. Sua estética agressiva e fragmentada reflete o caos de um país em constante ebulição. Terra em transe não é um retrato realista, é um grito. E, talvez, o Brasil de hoje precise voltar a escutar esse grito, antes que ele se transforme em silêncio.

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Editor Ourinhos Online