O que respondes quando indagam quem és tu? Por Paula Hammel
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A identidade emerge como tela imaculada, impossível de ser contida. Ao indagarem minha essência, percorre-me um turbilhão que atravessa nervos, ossos e sentidos. Cada tentativa de definição dilui-se em reflexos que se recusam a coincidir. Dizer quem sou seria traição. Cada vocábulo projeta sombras; cada designação revela facetas que escapam ao domínio da compreensão.
Em determinados momentos, guardo tempestades; em outros, deslizo por corredores como brisa discreta. A sinceridade que cultivo convive com a delicadeza de gestos esquecidos, perceptíveis apenas aos atentos. A quietude pesa, mas vibra entre pausas da respiração, impondo-se sem aviso. Reconheço fissuras. Abrigo não apenas palavras, mas também espaços que permanecem vazios, intervalos que respiram entre olhares e sentidos.
Não me reduzo ao que pronuncio nem às expectativas externas. Caminho entre observações singulares e minha própria percepção, sempre em desalinho, tentando nomear-me sem diminuição. A imagem refletida revela incongruências que surpreendem; permanecer incógnita exibe beleza e intensidade. Cada esforço de explicação abre feridas; cada suspiro fora de controle evidencia a densidade do existir.
Nelson Rodrigues afirmou: “Aprendi a ser o melhor de mim mesmo.” Fernando Pessoa confessou: “Fiz de mim o que não pude.” Ambos reverberam na forma como me reconstruo, lembrando que a grandeza da vida não se limita a definições alheias.
Quando me interrogam, opto pelo silêncio ou invento vocábulos que não pertencem à voz que sustento. Devolvo risos cortantes ou permito que sons efêmeros escapem. O mundo acompanha meu desaparecimento entre linhas sutis; poucos suportariam a complexidade destes pensamentos entrelaçados, a vastidão que atravessa cada gesto, cada postura.
Não se trata de fuga, mas de resistência: resistência a rótulos, convenções ou interpretações superficiais. Cada ação, cada pausa, cada olhar contém múltiplas camadas — infinitas, mutáveis, indomáveis. Não busco aprovação; que não me aceitem, pois não dependo de reconhecimento. Observo, mas nada define minha essência. Ninguém seria capaz de compreender-me por completo.
Sombra e luz, tempestade e brisa, harmonia e silêncio coexistem em mim. Assim, creio eu, surge agora a pergunta que toca a quem me lê: quem és tu quando ninguém observa? Quem és tu quando a noite envolve o mundo e resta apenas o corpo, apenas pensamentos que surgem sem aviso? Quem és tu quando percebes que nenhuma definição poderia abarcar tua vastidão?
Quantas vezes confrontaste tua própria essência sem temor? Terias coragem de admitir quem realmente és ou fingirias, novamente, conveniências que não te pertencem? Quantos recantos do teu ser permanecem ocultos, temendo assombro, rejeição ou incompreensão? Quantas mentiras discretas carregas até o ponto em que nem tu te reconheces mais?
Quando todos esperam ponto final, transforma-te em vírgula. Incompleta, indomável, intensa. É um impacto que não se mede, o verso que sobra, a verdade que corta. E reflete: se te perguntassem quem és, ousarias responder ou permanecerias no silêncio que também se faz resposta?
Paula Hammel
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