NÃO DEIXE QUE O TRABALHO DESTRUA A SUA VIDA – Por Maurício Saliba
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Vivemos em uma sociedade que insiste em vender o trabalho como espaço de realização, criatividade e reconhecimento. Mas, na prática, para milhões de pessoas, ele se tornou apenas um campo de exploração, alienação e sofrimento. A promessa de que “o trabalho dignifica o homem” soa cada vez mais como ironia em um mundo em que trabalhadores são descartáveis, empregos são instáveis e a identidade pessoal é reduzida a métricas de desempenho.
Desde Aristóteles até Marx, o debate sobre o trabalho nunca foi neutro. Aristóteles via a atividade produtiva como uma prisão à necessidade, destinada aos escravos, incompatível com a vida livre do cidadão. Marx, por outro lado, enxergou no trabalho criativo a essência da humanidade: é produzindo que transformamos a natureza e a nós mesmos. Porém, no capitalismo, essa potência foi sequestrada e transformada em trabalho alienado, no qual o homem não se reconhece no que faz. Hoje, no neoliberalismo, a situação é ainda mais perversa: já não basta ser explorado por outro, é preciso aprender a explorar a si mesmo.
A lógica neoliberal exige que cada indivíduo seja um “empreendedor de si mesmo”, responsável integral pelo próprio sucesso ou fracasso. A precarização do trabalho, a flexibilização de direitos e a insegurança constante são vendidas como liberdade. “Você é livre para escolher”, dizem, mas apenas se tiver poder de consumo. Essa liberdade condicional esconde uma servidão ainda mais cruel: o trabalhador internaliza a lógica da produtividade, se cobra, se culpa e se autoexplora. O resultado? Ansiedade, depressão, burnout e uma sensação generalizada de inadequação. O sofrimento psíquico deixou de ser exceção para se tornar regra.
Se no século XX a identidade das pessoas estava vinculada ao trabalho, ainda que alienado, ele oferecia estabilidade e status, no século XXI, segundo Bauman, vivemos na sociedade de consumidores. A pergunta “o que você faz?” foi substituída por “o que você consome?”. Já não somos reconhecidos pelo que produzimos, mas pelo que conseguimos comprar. O pertencimento social depende do poder de consumo. E, nesse jogo, quem não consome é invisível, descartável.
Esse cenário cria uma armadilha perversa: a promessa de liberdade vem acompanhada de insegurança permanente. Perdemos as antigas estruturas de apoio, Estado, família, comunidade e, em troca, recebemos a responsabilidade total sobre nossas vidas. Somos livres, mas estamos sozinhos, vulneráveis e pressionados a performar continuamente. Não por acaso, nunca se falou tanto em doenças psíquicas relacionadas ao trabalho. O mal-estar contemporâneo não é falha individual: é sintoma de um sistema que nega reconhecimento e dignidade.
O que deveria ser espaço de criação e realização tornou-se campo de competição e medo. O colega já não é parceiro, mas adversário. A autoestima não nasce do reconhecimento social, mas da comparação implacável com índices e metas. O trabalhador se fragmenta: em vez de criar, repete; em vez de afirmar-se, se esgota; em vez de ser valorizado, é reduzido a uma peça substituível.
É hora de desmascarar a farsa do discurso dominante. A ideia de que cada um é “dono de seu destino” é apenas uma forma sofisticada de culpar o indivíduo por fracassos que são, na verdade, estruturais. O desemprego não é culpa de quem “não se esforçou o bastante”. A depressão não é sinal de fraqueza pessoal. São efeitos de um sistema que exige produtividade infinita, mas nega reconhecimento humano.
Resistir à desumanização do trabalho é urgente. Significa questionar a lógica que nos reduz a números e defender espaços de ócio criativo, convivência e solidariedade. Significa afirmar que riqueza, fama e consumo não podem ser confundidos com realização. Significa lembrar que a vida não pode ser reduzida ao trabalho, muito menos a um trabalho que adoece.
O capitalismo industrial retirou do trabalho seu caráter criativo. O neoliberalismo foi além: colonizou até a subjetividade, transformando o indivíduo em empresário de si mesmo. O resultado é devastador. E, enquanto aceitarmos essa lógica como natural, continuaremos a alimentar a máquina que nos consome.
Ao contrário do que dizem, é o capitalismo que destrói sua família, seus relacionamentos e vínculos. Uma escala de trabalho menor seria um alento à exploração, mas não a solução.
A verdadeira dignidade humana exige mais do que emprego ou consumo: exige reconhecimento, liberdade real e possibilidade de viver para além das engrenagens da produtividade. O trabalho pode ser parte da vida, mas nunca seu todo. A luta por humanizá-lo não é apenas um ideal acadêmico, é uma necessidade urgente de sobrevivência social e psíquica. Portanto, não deixe que o trabalho destrua a sua vida!
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