O Quarto Poder: quando a mídia deixa de informar e passa a manipular – Por Bruno Yashinishi
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Lançado em 1997, o filme O Quarto Poder, de Costa-Gavras, é um retrato perturbador da imprensa como espetáculo. Nele, um episódio banal é transformado, pelas câmeras, em uma crise nacional, tudo em nome da audiência. O jornalista, que deveria informar com responsabilidade, transforma-se em diretor de um teatro trágico transmitido ao vivo. A mensagem é clara, quando a mídia abdica da verdade e abraça o sensacionalismo, a realidade deixa de ser um fato para se tornar uma ficção perigosa.
Essa crítica, que parecia um alerta distante nos anos 1990, tornou-se um espelho incômodo para o Brasil de hoje. A crise política que culminou na prisão de Jair Bolsonaro não é apenas reflexo de desvios éticos e legais, é também o resultado de uma máquina de desinformação operada com maestria por ele e seus filhos, sob a capa de “liberdade de expressão”. O uso sistemático de fake news, a manipulação emocional de massas e o ataque constante às instituições são marcas registradas de um projeto de poder que sempre soube usar os meios de comunicação como arma, nunca como ponte.
A atuação da chamada “família Bolsonaro” nas redes sociais é emblemática de uma nova forma de política, o populismo digital. Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro não atuam apenas como políticos, mas como produtores de conteúdo, estrategistas de guerra cultural e disseminadores de teorias conspiratórias. Como no filme, eles compreendem que a verdade importa menos do que a narrativa, e que a narrativa mais eficaz é aquela que divide, indigna e viraliza. Assim, o “quarto poder” é instrumentalizado para sustentar uma mentira coletiva, onde os fatos são descartáveis e o inimigo é sempre “o outro”.
Enquanto isso, parte da mídia tradicional, acuada por pressões econômicas e pela concorrência com redes sociais, muitas vezes recua de seu papel fiscalizador e adota uma posição ambígua, ora crítica, ora conivente. Há quem ainda trate Bolsonaro como figura pitoresca, e não como agente ativo de corrosão democrática. O mesmo se viu no tratamento dado à tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, muitas vezes suavizada sob a retórica da “polarização”.
O retorno de Donald Trump ao centro das atenções internacionais, e sua proximidade ideológica com Bolsonaro, também levanta alertas. Ambos compartilham não só estratégias de comunicação baseadas na mentira e na negação dos fatos, mas também o desprezo pelas instituições democráticas e pela imprensa livre. As tarifas comerciais anunciadas por Trump, caso reeleito, trarão impactos econômicos reais ao Brasil, mas os danos simbólicos dessa aliança entre extremistas já são visíveis, um país onde o discurso violento se normaliza e onde o jornalismo é tratado como inimigo.
Diante disso, a lição de O Quarto Poder não poderia ser mais atual, é preciso desconfiar dos que gritam “liberdade” enquanto atacam jornalistas, espalham mentiras e promovem o caos. A verdadeira liberdade de expressão exige responsabilidade. E o verdadeiro jornalismo exige coragem, para expor os fatos, ainda que eles contrariem os poderosos ou desagradem os algoritmos.
O Brasil não precisa de mais narradores de tragédias fabricadas. Precisa de uma imprensa que desmonte as farsas, e de uma sociedade que se recuse a ser plateia de um teatro montado por criminosos travestidos de líderes.
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