Personalismo, tarifaço e Lei Magnitsky: agora o Brasil conhece o governo Donald Trump – Por João Felipe Carvalho

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Não foram os tanques nas ruas nem os tweets ameaçadores que revelaram ao povo

brasileiro o quanto o governo Donald Trump é um projeto de extrema direita autoritária.
Foi o tarifaço. A “chantagem” internacional, encabeçada por um presidente que
transformou os Estados Unidos numa extensão de sua própria figura política e de seus
aliados ideológicos, agora impacta também a política, a economia e a autonomia judicial
brasileira.
O tarifaço imposto por Donald Trump, longe de se restringir a uma simples medida
de política comercial, representa uma tentativa clara de intervenção nos assuntos internos
do Brasil. Ao retaliar economicamente decisões do Poder Judiciário brasileiro e ao
pressionar o Executivo por meio de sanções comerciais, o governo americano ameaça o
pilar central das Relações Internacionais: a soberania. Como destaca o próprio presidente
Lula, não se trata apenas de uma disputa tarifária, mas de um ataque direto à
independência das instituições nacionais, motivado por razões ideológicas e políticas.
Em texto oficial da Casa Branca publicado 30 de julho, afirmam que as
instituições brasileiras estão perseguindo o ex-presidente Jair Bolsonaro e que o Supremo
Tribunal Federal (STF) “decidiu equivocadamente que Bolsonaro deve ser julgado por
essas acusações criminais injustificadas”. Além disso, afirma que essas decisões impedem
que o Brasil tenha eleições livres e justas para a presidência em 2026. Afirma que a lei
(ou justiça) brasileira está sendo utilizada como uma ferramenta política.
O governo Trump condena especificamente o ministro Alexandre de Moraes por
abuso de autoridade judicial para “Transformar oponentes políticos em alvos, defender
seus aliados e suprimir divergências”. A punição, inédita sob qualquer critério de
interpretação a ser escolhido, é a sanção por meio do “Global Magnitsky Act”, que
permite os Estados Unidos a impor penalidades econômicas contra estrangeiros que o
país considere ter “histórico de abusos aos direitos humanos ou corrupção”. Segundo
Scott Bessent, secretário do tesouro dos Estados Unidos “Alexandre de Moraes assumiu
para si o papel de juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas dos
Estados Unidos e do Brasil.”
Essa última citação serve para alertar o leitor do interesse maior do governo
estadunidense: a defesa das Big Techs, vespeiro que Alexandre de Moraes fez questão de
cutucar ao tentar responsabilizar os CEOs – especialmente Elon Musk e a rede social X
(ex Twitter) – por crimes cometidos em “território” digital. O multi-bilionário, que
acumula um patrimônio maior que o produto interno da Colômbia, comemorou a sanção
do Ministro do STF, que não possui bens em território americano e já estava impedido de
entrar no país.
Essa postura dos Estados Unidos remete a um padrão histórico de dominação
disfarçada de tutela, com resquícios da Doutrina Monroe e da Operação Condor, agora
repaginada sob o manto do “América em primeiro lugar”. O uso de tarifas como
instrumento de coerção evidencia a persistência de uma visão hierárquica das relações
hemisféricas, na qual países como o Brasil são tratados como esferas de influência e não
como parceiros soberanos. A América volta a ser um grande quintal dos Estados
Unidos.
A propósito, reverbero a crítica do experiente jornalista Chico Pinheiro, que
acertadamente afirmou que Trump não quer transformar o Brasil apenas em um quintal,
mas também em um canil, onde poderá adestrar seus lacaios da extrema direita
tupiniquim. Ora, se a personalização de uma ideologia é tão forte que se consideram
“Bolsonaristas”, portanto é conveniente para esses patriotas que sua pátria esteja
sangrando agora que é governada pelo presidente Lula. Como um bom patriota adestrado,
resumiu Eduardo Bolsonaro em entrevista à CNN Brasil: “Perfeito, se houver o cenário
de terra arrasada, pelo menos eu estarei vingado”.
Assim como observamos com a direita Bolsonarista, o governo personalista de
Donald Trump também gera em seus apoiadores sinais de dissonâncias cognitivas entre
ideologia e apelo pessoal, no qual manobras e esforços mentais são feitos para não quebrar
esse vínculo quase paternal “Eleitor-eleito”. Por exemplo, páginas e representantes
conservadores nas redes sociais estavam ansiosos para “punir” os nomes que estivessem
nas “Epstein Files”, listas das pessoas envolvidas de alguma forma nas festas com
exploração sexual de menores de idade de Jeffrey Epstein. Porém, depois que se criou a
conjectura do envolvimento do próprio Donald Trump no assunto, o assunto perdeu a
importância para esses conservadores. O mesmo aconteceu com o caso Stormy Daniels,
o qual Trump foi condenado em janeiro de 2025, o que não impediu que seus apoiadores
ainda o defendessem como guardião moral. Entender esse personalismo e a força política
que se ganha quando seus apoiadores são apologéticos é central para compreender a
impunidade política que Trump recebe.
Mesmo assim, essa impunidade não é permanente e tampouco global. Se acentua
o isolacionismo dos Estados Unidos perante uma crescente desconfiança dos demais
países na capacidade de suas instituições de freios e contrapesos – um dia exemplares e
absolutas – de segurar Donald Trump.
Diante disso, a resposta do governo Lula tem sido uma afirmação firme da
soberania nacional. Ao articular um esforço diplomático junto à OMC, dialogar com os
setores empresariais e reafirmar que não cederá à chantagem externa, o Brasil sinaliza ao
mundo que não aceitará ser reduzido a um apêndice subordinado na política externa de
Washington. A Lei da Reciprocidade, defendida por Lula, é mais uma exigência de
respeito do que uma retaliação. O presidente foi claro ao afirmar que a política brasileira
é conduzida com base em informações verdadeiras, princípios democráticos e respeito
institucional — valores que contrastam com a ofensiva unilateral de Trump. Rejeitar essa
interferência não é apenas uma questão de orgulho nacional, mas uma defesa concreta do
princípio da igualdade soberana entre os Estados.
A verdade é que continuará existindo a fatia da população que em detrimento da
soberania da sua própria pátria, apoia a interferência de governos externos. Ora, a Marcha
da Família com Deus pela Liberdade, em 1964, reuniu milhares de pessoas em apoio ao
golpe militar desenhado pelo governo dos Estados Unidos, como extensamente
documentado e publicado oficialmente pelas instituições do país. É evidente que apenas
algum político ingênuo não enxerga neste momento uma grande oportunidade política de
retomar as rédeas da narrativa e traçar um caminho próprio para o futuro. E o presidente
Lula está longe de ser ingênuo.

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Editor Ourinhos Online