TRÊS LIVROS DE FICÇÃO QUE NOS AJUDAM A ENTENDER A REALIDADE DO BRASIL – Por Luiz Eduardo Lima

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Vivemos em um país vasto, com extensão continental e que apresenta realidades, culturas, vivências e dinâmicas muito particulares e diversas. A vida de um morador de uma grande capital como São Paulo é muito diferente da vida de um morador de uma pequena cidade no interior do Ceará. E nem sempre de onde vivemos conseguimos acessar estas diferentes realidades, mesmo que todas elas sejam realidades brasileiras.

Mas, como dizem por aí, a vida imita a arte (ou a arte imita a vida?) e podemos, assim, nos valer da Literatura para conhecer, aprender e entender um pouco mais sobre as múltiplas realidades do nosso país. Embora o dicionário a defina como o “ato ou efeito de fingir”, a ficção pode nos apresentar visões de mundo muito realistas – é só abrimos os portais de notícias que vamos ver que o enredo dos três livros que aqui apresento nos são muito familiares.

Em “Jenipapo Western” (Editora Todavia, 2024), o autor Tito Leite retrata os conflitos agrários que acontecem em uma cidadezinha no sertão nordestino. A trama nos apresenta à família de Ivanildo, que luta para sobreviver da lavoura do algodão em um lugar em que impera a exploração e violência, principalmente em razão dos grandes latifundiários. O livro, por meio de seu ritmo acelerado e de uma concisa construção de seus personagens, escancara um dos grandes problemas do Brasil: as lutas pela terra em face às pressões do agronegócio. Embora o autor nos situe em uma cidade fictícia do sertão do Nordeste, esta é uma realidade presente nos quatro cantos do país. De acordo com relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2023 foram registrados 2.203 conflitos agrários no país. Um dos fatores que tenta explicar este aumento nos conflitos por terra no Brasil é a pressão da Bancada do Agronegócio no Congresso Nacional, que vem crescendo a cada ano eleitoral.

Também se valendo do atual cenário político do país, o livro “Água Turva” (Editora Companhia das Letras, 2024), da escritora gaúcha Morgana Kretzmann, debate temas como a corrupção, a devastação ambiental e como a política pode ser usada para destruir o meio ambiente. No centro da trama está o Parque Estadual do Turvo, na fronteira entre o Rio Grande do Sul e a Argentina. O parque, que é o mais importante reduto da onça-pintada no sul do país e também abrigo do Yucumã, maior salto longitudinal de queda d’água do mundo, se encontra ameaçado pela construção de uma hidrelétrica. A histórias das personagens principais (três mulheres fortes com um passado em comum) se intercala com discussões sobre a caça ilegal, a devastação ambiental em nome do progresso e a corrupção que se estende da política local aos gabinetes de Brasília. Embora também seja uma obra ficcional, a realidade se mostra muito presente na escrita ágil e certeira de Kretzmann.

Entre o Nordeste e o Sul do país, está São Paulo, a mais importante cidade da América Latina e cenário de “Quando os prédios começaram a cair” (Editora Todavia, 2023), do escritor Mauro Paz. Enquanto os dois livros anteriores se situam em um Brasil conturbado, mas ainda em pé, este abraça a distopia cotidiana para contar uma história em que prédios começam a cair ao redor do mundo. Neste cenário de caos, o protagonista Solano procura encontrar um sentido para sua vida. Mas o que realmente chama a atenção na escrita de Mauro Paz são as referências que ele nos apresenta de um Brasil muito parecido com o que vivemos: de um bispo evangélico dono de emissora e que cobra cinquenta reais para fiéis entrarem no seu gigantesco templo a um presidente que busca o adiamento das eleições com apoio de militares, de evangélicos e de “uma famosa atriz de novela”. Mas, para além das referências, Mauro discute temas importantes como as fake news, o avanço das pseudociências em tempos de crise e as desigualdades sociais em uma grande cidade como São Paulo. Não é exatamente um retrato fiel desta cidade cheia de contradições, mas é uma boa coletânea de elementos que nos aproxima de uma realidade conhecida, mesmo que para a história ela seja distópica.

A ficção pode nos soar como uma invenção, uma criação imaginativa ou mesmo uma “lorota”, mas a verdade é que ela nos conta mais sobre nossa realidade do que imaginamos. Seja pela construção dos cenários, pelas motivações das personagens ou mesmo pelas sensações e desconfortos que a leitura nos traz, a ficção, cada vez mais, nos mostra que ela é mais real do que a própria realidade.

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Editor Ourinhos Online