Casa sem alarde – Por Paula Hammel
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Quando a perda não faz ruído, mas se instala nos gestos que restam.
Partiu em silêncio, como quem entende que há despedidas que não precisam ser anunciadas. A pequena cadela de focinho achatado, expressão serena e olhos que pareciam conter o mundo, deixou a casa envolta em uma calma estranha. Uma ausência que não apenas se nota, mas que se sente.
Durante os anos os quais esteve presente, ocupava mais do que os espaços físicos. Enchia o ambiente com uma presença dita no afeto discreto, nos gestos contidos, na companhia que não exigia nada além da própria existência. Era como se tivesse sido moldada para compreender o que se esconde nos cantos da alma.
Os dias seguintes revelaram o quanto sua presença se entrelaçara à rotina. O som das patas no chão, a espera silenciosa à porta, a respiração mansa ao lado do sofá — tudo agora habitava o terreno da lembrança, onde cada detalhe se torna amplificado. Não havia vazio, mas uma suspensão. Como se o tempo, por alguns instantes, hesitasse em seguir.
A tutora, envolta pela ausência que se espalhava lentamente, passou a perceber o que jamais havia sido nomeado: a vida ao lado de um animal não está nos grandes momentos, mas nos pequenos rituais. No levantar sem pressa, no café da manhã partilhado em silêncio, no toque leve de uma pata buscando abrigo no fim do dia.
A cadelinha, embora silenciosa, ensinava sem esforço. Era uma presença que não confrontava, mas acolhia. Parecia compreender que o amor não precisa ser grandioso, apenas constante. Tinha a sabedoria dos que vivem com os dois pés no presente, sem antecipar o que vem nem se lamentar pelo que passou.
Hoje, na ausência dela, compreende-se melhor a natureza do vínculo. Não era apenas carinho. Era convivência, escuta, abrigo. Um tipo de amor que prescinde da linguagem, que se comunica por gestos, por olhares, por respirações sincronizadas ao fim de uma tarde longa.
Com o tempo, a dor do luto não some, mas se transforma. Torna-se memória, presença leve, saudade que não paralisa. O que permanece é o vivido sem pressa, sem exigência. Ficam os instantes em que bastava estar.
Viver, por fim, não se explica. Vive-se. E talvez, essa seja a maior lição deixada por quem partiu: há beleza no simples; o afeto cabe nos intervalos do silêncio e que, mesmo quando tudo parece passageiro, o amor verdadeiro encontra formas de permanecer.
Paula Hammel
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