Se eu fosse você – Por Paula Hammel
Se eu fosse você, não carregaria o peso do impossível, nem ousaria vestir o que em mim não cabe. A pele do outro é uma margem inalcançável, um reflexo que, mesmo nítido, não permite o toque.
As palavras seriam inúteis, pois nelas o engano reside: tentam preencher o que só o silêncio compreende. Se as pessoas soubessem, talvez escutassem mais o intervalo entre as frases, o instante em que o ruído não alcança e a verdade repousa.
Mas, ainda assim, falamos. Por orgulho, por hábito, porque acreditamos que o eco do que somos pode ser traduzido para além de nós mesmos. Mas não pode. A voz se perde quando tenta ser outra, e o gesto se dilui, se feito com outra intenção.
Se eu fosse você, não diria nada. Habitariam em mim apenas os movimentos, os traços do corpo que alcançam o que a fala não pode. Seria o gesto simples, o olhar que não fere, o toque que não exige.
Mas eu não sou você. E, na verdade profunda, nunca serei. O mundo é feito de ausências entre os seres, e nelas habita o espaço onde crescemos sozinhos — não para ser outro, mas para ser aquilo que só em nós respira.
Há quem diga: “Se eu fosse você…”. Mas quem ousaria sustentar tal condição? Ser outro é carregar um destino que não foi tecido para nós, é transgredir o que nos define, é perder-se.
Por isso, quando penso no que não sou, entendo que nada há para buscar fora. A vida exige que sejamos fiéis ao que é nosso, ainda que o outro nos convide a sermos mais, a sermos menos, a sermos algo que jamais poderíamos ser.
Se eu fosse você, seria apenas sombra — não para substituí-lo, mas para respeitar a sua luz. E assim, no vazio que nos separa, recolho-me à compreensão de que o maior gesto de amor é aceitar que somos, sempre, irremediavelmente distintos.
Paula Hammel
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