Não sei se escolho a vida, ou se sou, sem aviso, moldada por ela. Por – Paula Hammel

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Entre vocações não trilhadas e trajetos que, silenciosos, me escolheram, fui caminhando. Não fui médica, nem bióloga, nem farmacêutica. Fui palavra. Fui pausa. Fui pergunta. E, talvez, seja a Filosofia — com sua voz que se esquiva de definições, quem fala por mim quando me perguntamquem sou. Mas não há resposta pronta para isso. A pressa, afinal, não diz nada.

Nunca houve um plano. Houve apenas o desejo mudo de um sentido que se desvia, como uma sombra, sempre um passo à frente. Uma sede que nunca se sacia, uma vontade que escorre pelas horas, sem pressa de se cumprir. Cresci cercada de receitas, manuais, diagnósticos, vidas marcadas pelo corte. Mas ao invés de seguir o pulso das veias, segui o das palavras. Um desvio? Provavelmente. Quem sabe! Ou outro jeito de cura: com ideias, não com fórmulas.

Lembro-me, quase sem querer,
de quando, ainda menina, fazia perguntas que ninguém sabia responder. Os adultos desconversavam, como se as respostas nascessem na ausência do dito. Algo naquilo me tocava. Naquilo que não se fala, mas se sente. Foi nesse espaço, entre o não falado e o que por dentro verte, que encontrei a Filosofia. Ela não me explicou o mundo, ela me ensinou a vê-lo como quem espia um segredo através de uma janela: espantada. Meu olhar, uma segunda pele.

Hoje, quando me perguntam o que faço, hesito. Dizer “filósofa” soa grande demais; um manto que não me veste. Falar “escrevo”, soa vago, incompleto. Eu meramente penso. E ao pensar, vou escrevendo com a busca de um fio de seda que não se enrola aos demais; e se perde ao longo do carretel. Não é profissão. É destino. Ou fardo. Por enquanto, não sei.

Mas sei, ao menos, que há uma beleza imensa no não saber. Em ser dúvida. Em me permitir ser incerteza. O mundo se apressa em nos rotular, como se os rótulos servissem para conter o que escapa. E eu escapo. Escapo das caixas, das embalagens etiquetadas, das certezas. Nunca fui (sou) a mesma. E nem pretendo ser.

Há algo profundamente vital na impermanência, como se a instabilidade me desse uma forma mais autêntica de ser. Há quem diga que viver exige firmeza. Discordo. Viver, para mim, exige elasticidade. É preciso vergar-se, desfazer-se, dobrar-se sobre si;um origami que ainda busca sua forma final. Não me assusta mais o não saber. O desconhecido, que antes era penumbra, agora é espaço. Um espaço aberto e fértil para criação.

E, se por vezes a angústia me visita,
acolho-a como uma velha amiga. Com respeito. Com cuidado. Dela não corro, pois há uma lucidez que só nasce da dor silenciosa. Aquela que não grita. Aquela que não se revela. No entanto, ela permanece tal qual uma chama; aquece no escuro, ensinando-nos a ver com os olhos do coração.

Não precisei dos jalecos da ciência para tocar a essência humana. Bastou-me uma tela em branco e o silêncio antes da verbo. Bastou-me a escuta do que pulsa no invisível. Sou, ao final, um ente que observa. E neste observar constante, continuo sendo eu. Sem mapas. Sem destino fixo. Sem garantias.

Se a vida, com seus mistérios e desvios, voluntariamente, quiser me refazer amanhã, aceitarei. Não por desistência, medo. Quem viveu nas trevas, e dela vivo saiu, sabe o quanto a escuridão ensina acerca do medo. Acerca da dor. Além do mais, tudo o que é rígido, se parte. Tudo o que flui, permanece.

E se um dia perguntarem o que fui, que não respondam título, nem cargo, nem função. Que digam apenas: ela pensava com intensidade amorosa, e escrevia como quem sangra com elegância.

Paula Hammel

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Editor Ourinhos Online