Cortar o cabelo (e outras decisões catastróficas que tomamos sóbrias) – Por Paula Hammel

Há mulheres que mudam de país. Outras trocam de marido. E há aquelas que cortam o cabelo.

Cortar o cabelo é uma espécie de surto autorizado. Uma pequena tragédia voluntária, com hora marcada. O curioso é que, quase sempre, essa decisão surge do nada — como um vento que levanta a saia da alma e nos faz querer fazer alguma coisa com as mãos. Daí, a tesoura.

A mulher entra no salão com aquele olhar de quem não quer apenas cortar o cabelo. Ela quer um recomeço. Ninguém corta uma franja por acaso. Ninguém diz “cortei só porque enjoei”, com um sorriso da cor da honestidade. Ela até pode afirmar isso, mas não é verdade. Sempre há um motivo escondido atrás da orelha: uma mágoa, um abandono, uma promoção que não veio, um domingo em silêncio. Às vezes, tudo isso junto. E então, sobra para a franja.

O cabeleireiro já sabe. Finge acreditar no “só queria mudar”. Pega a tesoura com o cuidado de quem opera um coração partido, porque sabe que vai sobrar para ele quando o arrependimento chegar. E ele chega. Sempre chega. A única incerteza é quando chega.

O primeiro momento é de pura ilusão: a mulher sai do salão sentindo-se leve, moderna, quase uma personagem de série escandinava. Balança o cabelo que já não tem, passa batom vermelho, compra pão como quem acaba de renascer. Mas essa sensação dura pouco. Ela some quando a mulher chega em casa. Sozinha. Diante do espelho real. Com luz fria.

É nesse instante que ela passa a mão pela nuca e sente falta do que foi embora. Não é só o cabelo. É tudo. A proteção. A ideia de beleza que aprendeu aos sete anos, vendo a mãe fazer babyliss. O rabo de cavalo que fazia quando precisava pensar. A forma como o cabelo escondia o rosto nos dias de vergonha.

E então ela chora. Um choro pequeno, de mulher grande. Um choro que não molha a blusa, mas embaraça o pensamento.

No dia seguinte, ela ouvirá: “Nossa, você cortou!”, “Ficou ótimo!”, “Te rejuvenesceu!”. Ninguém dirá: “Está com cara de quem terminou um relacionamento que nem começou.” Ninguém dirá: “Isso tem cheiro de decisão precipitada.” Porém, sentirão.

E o mais curioso? Ela fará isso de novo. Daqui a seis meses. Ou três. Porque mulher é cíclica, corajosa e teimosa. Porque cortar o cabelo é o modo mais rápido de dizer: *Não sei mais quem sou, mas estou tentando descobrir*. E há beleza nisso. Há tristeza também — mas uma tristeza bonita.

No fundo, amamos o drama. Amamos cortar. Amamos nos arrepender. E amamos contar depois, como se fosse piada. Mas não é piada. É ritual. É sobrevivência. É poesia que se escreve com fios.

E que cresce. Sempre cresce.

Paula Hammel

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Editor Ourinhos Online